“Todos têm inveja da posição em que Hamilton está”, reconhece caçula da F1

Julianne Cerasoli

Fã de Fórmula 1 desde a infância, Julianne Cerasoli nasceu em Bragança Paulista (SP) e hoje vive em Londres (Inglaterra). Atua como jornalista desde 2004, tendo trabalhado com diversos tipos de mídia ao longo dos anos, sempre como repórter esportiva e com passagem como editora de esportes do jornal Correio Popular, em Campinas (SP). Cobrindo corridas in loco na Fórmula 1 desde 2011, começou pelo site especializado TotalRace e passou a colaborar para o UOL Esporte em 2015, e para sites e revistas internacionais. No rádio, é a repórter de Fórmula 1 da Sistema Bandeirantes de Rádio desde 2017, e também faz participações regulares no canal Boteco F1, o maior dedicado à categoria no YouTube. Em 2019, Julianne criou o projeto No Paddock da F1 com a Ju, na plataforma Catarse, em que busca aproximar os fãs da Fórmula 1 por meio de conteúdo on demand e podcast exclusivo com personagens da categoria. Neste espaço: Única cobertura in loco de toda a temporada da Fórmula 1 na mídia brasileira, com informações de bastidores, entrevistas exclusivas, análises técnicas e uma pitada de viagens.

Colunista do UOL

08/11/2020 04h00

O caçula do grid da Fórmula 1, Lando Norris, completa 21 anos nesta semana já tendo subido ao pódio – logo na primeira corrida de 2020, na Áustria – e pontuando consistentemente pela McLaren (nove provas entre os 10 primeiros em 13 GPs) em sua segunda temporada na categoria.

Mesmo com pouca experiência, ele já carrega uma legião de fãs por seu jeito brincalhão, e também uma grande responsabilidade ao ter se colocado como um porto seguro para uma geração que cada vez mais se abre a respeito de sua saúde mental: uma armadilha um tanto traiçoeira em que ele mesmo acabou se metendo recentemente, após fazer comentários que não agradaram muito seus milhares de seguidores tanto nas pistas, quanto nas longas sessões na Twitch, plataforma que usa para transmitir suas partidas de videogame.

O UOL Esporte conversou com exclusividade com o piloto britânico, que admite as dificuldades em desempenhar o tal papel que construiu para si. E que tem uma grande vontade de mostrar que ele, também, pode vencer tanto quanto o compatriota Lewis Hamilton.

UOL Esporte: Muita gente diz que a F1 é chata atualmente, pouco competitiva. Como você acha que a categoria pode atrair novos fãs?

Lando Norris: Eu não sei. Acho que o principal é que nós temos corridas muito legais no meio do pelotão. Entre nós da McLaren, as Renault, as Racing Point e as AlphaTauri, todas as corridas são incríveis. Imagine se fosse pela vitória? Quantas pessoas não estariam assistindo se essas brigas fossem pela vitória ao invés de sempre ser a mesma equipe vencendo todo fim de semana? A questão é que essa equipe está fazendo um trabalho muito melhor do que todos os outros e tem sido assim nos últimos anos. Isso torna as coisas chatas, mas eles merecem. Mas, ao mesmo tempo, isso piora o show e faz com que as pessoas não gostem tanto. Isso é o que precisa mudar – e é claro que eles não querem que mude porque eles estão ganhando. Mas, se você quiser ter mais pessoas assistindo e entreter mais pessoas, as disputas que temos tido entre quatro ou cinco equipes no meio do pelotão são o que precisava acontecer pela vitória.

UOL Esporte: O que você diria para as pessoas que falam que a F1 hoje é muito fácil porque, por exemplo, o câmbio não é mais manual ou por que o engenheiro fica dizendo para o piloto o que ele tem de fazer?

Lando Norris: Diria que, se eles fossem pilotar um carro de F1, não seriam muito bons (diz, rindo). Nós recebemos muita ajuda sim e as coisas mudaram muito já há alguns anos. Mas há algumas coisas que você, como piloto, não quer fazer. Nós não queremos ficar mudando as configurações no volante, não queremos ficar corrigindo sensores e coisas do tipo. Queremos pilotar o carro, forçar o carro o tempo todo. É o que queremos fazer. Mas os carros são tão complicados hoje em dia que temos que ter essas pessoas dizendo para nós o que temos de fazer. A culpa não é nossa. A questão não é que não conseguimos pilotar sem isso, mas que os carros são tão complicados que isso é necessário. Os engenheiros ajudam, mas eles não pilotam o carro para você.

Tenho certeza de que os pilotos que estão atualmente na F1 são tão bons quanto os caras de 10, 20 anos atrás. Os carros se tornaram muito mais rápidos, muito mais físicos, então há muitas coisas que, provavelmente, são muito mais difíceis agora e outras coisas são mais fáceis. Mas isso não é culpa nossa. Há coisas que adoraríamos mudar para tornar mais difícil para nós. Porém, por conta do motor híbrido, precisamos dessa ajuda para o carro funcionar do jeito que deve.

UOL Esporte: E quando o engenheiro fala para você acelerar? Claro que você sabe por que ele está fazendo isso, mas o que passa pela sua cabeça? ‘Você não tem que me falar isso?’

Lando Norris: Às vezes, sim. Às vezes eu estou forçando o ritmo e eles pedem para eu forçar mais e não dá. Mas é o mesmo caso: tem muita coisa que gostaríamos de mudar. Nas categorias de base, dá para forçar o ritmo o tempo todo, mas hoje em dia fazer a corrida da forma mais rápida possível não significa forçar o tempo todo. Você precisa cuidar dos seus pneus, economizar combustível para poder andar com menos peso durante a corrida. Para vencer uma corrida na F1 hoje em dia, não é só uma questão de ser o mais rápido. Há outras coisas que você precisa fazer. E é claro que muitos pilotos não gostam disso.

UOL Esporte: Então você acha que o melhor para o espetáculo seria ter carros e pneus com os quais você realmente conseguiria forçar o tempo todo? Isso é polêmico porque o desgaste de pneus também traz disputas.

Lando Norris: O que pode mudar mesmo as corridas é ter carros que possam seguir uns aos outros muito mais de perto. Esse é o problema das corridas hoje em dia. Isso também destrói os pneus e faz com que não dê para brigar. Se você tiver um carro com o qual você não perde 1s5 quando segue o outro de perto, daí você pode ter pneus muito melhores com os quais pode forçar por toda a corrida e as disputas serão melhores. Temos que admitir que muitas disputas nos últimos anos aconteceram quando os pneus acabaram. Mas é meio falso. Nós queremos forçar o tempo todo e disputar, e não ter que pilotar o carro de um jeito específico e disputar por conta disso. Concordo com você, mas acho que há várias formas de disputar na pista. E a maneira mais pura é poder seguindo o carro mais de perto.

UOL Esporte: Você tem muitos seguidores bastante jovens e muita gente que se espelha em você e na maneira leve como você parece levar a vida em um mundo tão cheio de pressões como o da Fórmula 1. Você se vê como alguém que pode ajudar na saúde mental desses jovens e como você trabalha sua saúde mental?

Lando Norris: Eu tento ajudar. O máximo que eu posso fazer no momento é quando faço minhas transmissões [Norris costuma passar horas online em videogames transmitindo suas partidas e corridas principalmente em seu canal de Twitch]. Recebo muitas mensagens porque as pessoas agora não têm muita coisa para fazer, não podem ir trabalhar ou ir para a escola e a única coisa que coloca um sorriso no rosto deles é quando eu faço as transmissões, dou risada, fico irritado… essas coisas. Eu vejo as mensagens de pessoas que dizem que eu estou ajudando e que eu faço essas pessoas sorrirem e trago algo de bom para elas e isso significa muito para mim, porque, ainda que eu ame ser um piloto de F1, ame minha minha e tudo mais, ainda assim há momentos em que eu sofro e não estou feliz. Há muita pressão na F1 e muitos comentários talvez não sejam muito legais e as pessoas tentam fazer com que você se sinta mal na maior parte do tempo. E isso faz com que eu me sinta mal muitas vezes. Não gosto dessas coisas. Só porque eu sempre estou sorrindo, as pessoas acham que eu não tenho esse tipo de problema, mas o fato é que eu tenho sim. As pessoas só não veem isso porque, quando tem uma câmera na minha frente, eu sorrio (mesmo quando eu não quero). Então eu entendo o sentimento dessas pessoas e faço o que eu posso para fazê-los sorrir. Tento ter um efeito positivo nestas pessoas que estão passando por dificuldades.

UOL Esporte: O domingo e a segunda-feira depois do GP de Portugal foram dias assim, em que você leu os comentários e pensou ‘não foi bem isso que eu quis dizer, não sou esse cara’? (Norris foi criticado por sua reação no rádio quando teve um toque com Lance Stroll e disse que o canadense “nunca aprende” e depois da corrida, quando disse que Hamilton tinha que “vencer todas as corridas com o carro que tem”, depois de o inglês ter batido o recorde de Michael Schumacher)

Lando Norris: Exatamente! Eu sinto que eu tento ser uma pessoa legal e fazer as coisas certas. Eu fico irritado como todo mundo fica. A minha mensagem de rádio foi a emoção de querer ir bem e marcar pontos para o time e alguém vai lá e arruína isso. Claro que eu fico irritado e falo as coisas que falei. Entendi que ficaram bravos comigo, mas tenho certeza que todo mundo fica irritado com outra pessoa. Só porque eu falei na TV, as pessoas fazem comentários e fingem que são super-heróis que nunca diriam algo do tipo. E sabemos que isso é mentira.

As pessoas sempre acham que nós somos heróis na F1, e talvez alguns sejam. Mas eu sou só um cara normal que fica bravo quando alguém arruína minha corrida e fica irritado quando as pessoas fazem comentários que você não gostaria que eles fizessem. O domingo do GP de Portugal foi um desses dias, quando estava lendo os comentários. Quando eu falei, minha ideia não era ser negativo, não quis machucar ninguém. Era a minha opinião. Às vezes quando você fala, não pensa como as pessoas vão interpretar. Não foi minha intenção. Sou um cara legal – tento ser um cara legal – e não quero dirigir ódio a ninguém. Posso ficar irritado com alguém, mas não desejo nada mal para ninguém.

UOL Esporte: Então, para esclarecer um ponto: você e o Lewis no mesmo carro, quem vence?

Lando Norris: (o piloto ri e pensa por alguns segundos) É algo que não posso responder até que aconteça. Tenho certeza que todo piloto no grid quer fazer a mesma coisa porque todo mundo sabe que Lewis é provavelmente um dos melhores pilotos de todos os tempos na F1. E todo mundo tem inveja da posição em que ele está, ganhando todas essas corridas. É a posição em que todos queriam estar. Mas não é algo que dê para responder. Tenho certeza que alguns vão dizer “eu, claro”. Mas eu não sou esse tipo de cara superconfiante. Um dia, talvez, a gente descobre. Adoraria que isso acontecesse.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/pole-position/2020/11/08/todos-tem-inveja-da-posicao-em-que-hamilton-esta-reconhece-cacula-da-f1.htm