Trabalho de Domènec, com o Flamengo, o melhor elenco do Brasil, é pífio

Renato Mauricio Prado

Renato Mauricio Prado é jornalista e trabalhou no Globo, Placar, Extra, Rádio Globo, CBN, Rede Globo, SporTV e Fox Sports. Assina atualmente uma coluna diária no Jornal do Brasil. A primeira Copa que cobriu in loco foi a da Argentina, em 1978.

09/11/2020 04h00

Não há desculpa. Se você tem nas mãos o melhor elenco do Brasil, provavelmente até da América do Sul, e recebeu de mão beijada um time supercampeão, que jogava por música, sua obrigação é fazer que continue a atuar assim – e se tiver convicções táticas diferentes, que espere para modificar algo quando tiver tempo suficiente para treiná-las. É o tal óbvio ululante de que nos falava o tricolor Nélson Rodrigues.

O catalão Domènec Torrent, substituto do português Jorge Jesus, no Flamengo, porém, errou tudo, desde o início. Em sua primeira entrevista, prometeu que não seria um “elefante na sala de jantar” e, como escrevi aqui mesmo, portou-se como um mamute enfurecido, numa loja de louças.

Dome deu apenas 45 minutos ao esquema de Jorge Jesus, na rodada de estreia do Campeonato Brasileiro. Tempo no qual, apesar de sair perdendo por 1 a 0 (gol contra de Filipe Luís), o time jogou bem, criando inúmeras oportunidades para marcar. Mas, já após o intervalo, o catalão começou a modificá-lo. Empilhou atacantes e tirou todos os meias! Sem sucesso.

De lá pra cá, a quantidade de erros cometidos pelo catalão é assustadora. Não à toa, seus vexames começam a se acumular: goleadas de 5 a 0, para o Independiente del Valle; de agora, de 4 a 0, para o Atlético Mineiro. Fora derrotas igualmente indigestas, para o Atlético Goianiense (3 a 0) e para o Ceará (2 a 0).

Apesar de ainda estar entre os primeiros na tabela de classificação (obrigação mínima, diante do plantel milionário e de alta qualidade que dirige), o fato é que, com um grupo até mais forte do que aquele com o qual Jorge Jesus ganhou o Brasileiro e a Libertadores, Dome não consegue extrair do time um futebol minimamente à altura de seus jogadores.

O desastre defensivo do Flamengo é apenas a ponta do iceberg. A incompetência mais evidente. Nos últimos três jogos (São Paulo, Athletico Paranaense e Atlético Mineiro), a zaga sofreu 10 gols. E em todas estas partidas seu jovem goleiro revelação ainda fez defesas milagrosas! Registro: o rubro-negro tem a segunda pior defesa do Brasileiro, com 29 tentos sofridos, à frente apenas do lanterna Goiás, com 33.

Já nem sei se Gustavo Henrique (que Dome insistiu, absurdamente, em escalar no Mineirão), Léo Pereira e outros falham porque são fracos tecnicamente (mas não eram, quando o Flamengo os contratou!), ou se erram porque atuam demasiadamente expostos e o sistema, como um todo, é uma catástrofe. Cada vez mais desconfio da segunda hipótese. Embora o treinador, covardemente, fale em falhas individuais.

Raposa felpuda, com acesso aos treinos no Ninho do Urubu, me garante que Torrent não é muito chegado a treinar a defesa. Que se dedica, principalmente, a exaustivos exercícios de toque de bola e de posicionamento no ataque. É esse o seu foco, sua obsessão.

Pior, nem seus auxiliares de comissão técnica se preocupam muito em orientar os zagueiros – talvez porque não saibam. Diante do que se tem visto, a informação torna-se bem plausível. Lembrança importante: a defesa era o setor da equipe a que Jesus dedicava a maior atenção.

Adepto do rodízio, que é aceitável se feito para poupar fisicamente os jogadores, Domènec, entretanto, o tem usado para experiências, quase todas malsucedidas. Já testou, por exemplo, oito formações para a dupla de zaga e não deu continuidade e entrosamento a nenhuma. Como dar certo?

Em contrapartida, em vez de poupar um veterano importantíssimo como Filipe Luís (que acabou sentindo uma contusão muscular, no Mineirão), ele o escalou consecutivamente contra Corinthians, Internacional, São Paulo, Athletico Paranaense e Atlético Mineiro! Qual a lógica? Não há.

Principalmente, porque tem no clube uma joia como o jovem lateral-esquerdo Ramon, que o técnico mandou jogar no sub-20, no domingo passado “para pegar ritmo”! Ele e o zagueiro central Noga, outra prata da casa, que poderia ter sido escalado, no lugar de Gustavo Henrique…

Na entrevista após a goleada sofrida no Mineirão, Dome reconheceu que a defesa tem problemas, mas ressaltou que o ataque vai bem. Historinha pra boi dormir. O tão badalado sistema posicional engessou Bruno Henrique (um dos principais craques do Flamengo multicampeão, nos tempos de Jesus) e vive agora de cruzamentos altos e erráticos sobrea a área. Os gols nascem, em sua maioria, pelo talento individual de jogadores como Pedro, Gérson e Éverton Ribeiro.

O esquema do catalão, na prática, se limita a abrir jogadores nas extremas (para tentar espaçar a defesa adversária) e a fazer inversões constantes de jogo, tentando gerar a tal superioridade numérica que raríssimas vezes pode ser vista. No jogo contra o Atlético Mineiro, em momento algum.

Enquanto Jorge Sampaoli estudou o Flamengo e modificou o Atlético Mineiro (escalando três zagueiros e pontas bem ofensivos para neutralizar o conhecido toque de bola do rubro-negro), Domènec entrou para jogar como tem jogado sempre. E levou um banho de bola. Porque é fraco. Porque pode ter sido um excelente auxiliar de Pep Guardiola, mas não é nem de longe um treinador de ponta como ele.

Domènec escala mal (foi absurda, quase inacreditável a insistência com Gustavo Henrique, contra o Atlético Mineiro), vê os jogos de forma equivocada (basta ver suas análises depois das partidas) e substitui pessimamente – com Gabigol e Pedro Rocha no banco, no Mineirão, sua primeira alteração, já na metade do segundo tempo, foi a entrada do errático Michael!

O magnífico Flamengo de Jorge Jesus foi destruído por Domènec Torrent em prol de uma equipe que não consegue mais marcar a saída de bola dos adversários, é incapaz de compactar seus três setores (defesa, meio-campo e ataque) e tornou a posse de bola, que ainda mantém, infrutífera, ineficiente. Não há como defendê-lo.

Nos confrontos contra os times do alto da tabela, o Flamengo venceu apenas o Fluminense (sabidamente o mais fraco deles, em termos técnicos). E levou goleadas do São Paulo e do Atlético Mineiro. Ainda pode ser campeão de tudo que disputa (Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores)? Até pode. Mas não com esse futebolzinho medíocre que joga desde que passou a ser dirigido por Domènec Torrent.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/renato-mauricio-prado/2020/11/09/trabalho-de-domenec-com-o-flamengo-o-melhor-elenco-do-brasil-e-pifio.htm