Falta de vacinas e de máscaras podem levar à greve no transporte público

Kelly Fernandes

Arquiteta e urbanista pela FAU-Mackenzie e especialista em Economia Urbana e Gestão Pública pela PUC/SP. Profissionalmente atua como pesquisadora em mobilidade urbana e é envolvida com a defesa dos direitos de quem anda a pé, pedala e usa transporte público.

Colunista do UOL

09/04/2021 04h00

Os trabalhadores dos serviços de transporte público coletivo estão na linha de frente da pandemia do novo coronavírus, mais precisamente nas catracas, no volante, nos acessos de terminais e estações, nas plataformas etc. Locais pelos quais passam milhares de pessoas diariamente, muitas delas com covid-19. Enquanto isso, a vacinação avança a passos lentos enquanto a média móvel de mortes avança a passos largos.

A ausência de cuidado com profissionais, de empresas públicas ou privadas de transporte, é só mais um indicativo – em meio a tantos outros – de que saúde e transporte precisam andar lado a lado. Recentemente, o quarto Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, informou que está em diálogo com o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a respeito da adoção de procedimentos para prevenir a aglomeração de pessoas no transporte.

É lamentável que a conversa partiu da necessidade de discutir alternativas ao lockdown, medida mais segura para combater a pandemia, mas o alinhamento entre esses dois polos é urgente para garantir mais segurança para quem usa e trabalha no transporte público coletivo.

Deixados de lado pelo Governo Federal, órgãos responsáveis pelo gerenciamento dos inúmeros sistemas de transporte espalhados pelo país incluíram, além dos procedimentos usuais, novos padrões sanitários e de higienização a fim de proteger as pessoas que utilizam e trabalham no sistema.

Algumas cidades distribuíram máscaras nos terminais, disponibilizaram alternativas para a higienização das mãos, intensificaram a higienização dos ônibus, terminais e estações e prepararam funcionários e funcionárias para adotarem os novos protocolos. No entanto, foram muitas as cidades que adotaram medidas de prevenção apenas no papel, isto é, lançaram manuais e divulgaram novas regras, mas não agiram efetivamente para implementá-las ou não fiscalizam o cumprimento dos novos parâmetros pelas empresas de ônibus, metrô etc.

Já outros municípios fizeram pouco ou quase nada, seja por negligência, incapacidade técnica ou mesmo por ausência de recursos financeiros. Porém, é necessário apontar que muitos desses entraves poderiam ter sido superados por meio de ações coordenadas nacionalmente, como a viabilização da compra de insumos, equipamentos de proteção e comprovação da eficácia de mudanças comportamentais para a minimização de riscos de contágio no transporte.

As trágicas consequências causadas por tais desassistências ficaram explícitas na pesquisa recente realizada pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, com exclusividade para o jornal El País, que revelou o aumento em 62% do número de mortes de motoristas de ônibus nos dois primeiros meses de 2021 em comparação ao mesmo período do ano passado. O excesso de mortes de motoristas indica o risco que recai sob esses profissionais, sobretudo em contexto de circulação de veículos e vagões com lotação máxima.

Durante o mês de março, motoristas e cobradores promoveram paralisações parciais como forma de pressionar os governos e encaminhar demandas, como: a inclusão de motoristas e outras pessoas que trabalham no sistema entre os grupos prioritários na vacinação e condições seguras de trabalho. Segundo declarações dadas à imprensa, o SindMotoristas – sindicato que representa os motoristas e trabalhadores do transporte rodoviário urbano de São Paulo -, o grupo planeja realizar uma greve na capital paulista no dia 20 de abril.

Atualmente, os metroviários discutem a realização de paralisações com o mesmo objetivo. Aliás, a CPTM – responsável pelo sistema de trilhos da Região Metropolitana de São Paulo -, discutirá o tema na próxima assembleia agendada para o dia 12 de abril.

Entre as reivindicações também está o fornecimento de máscaras PFF2, que oferecem proteção mais efetiva contra o coronavírus. Paralisações e greves com motivações similares estão sendo organizadas em Goiânia/GO, Ribeirão Preto/SP, Bauru/SP e outras cidades.

Desde o início da pandemia, muitas cidades interromperam, parcial ou totalmente, a adoção de procedimentos de segurança sanitária, com exceção da obrigatoriedade do uso de máscaras, que é praticamente uma unanimidade. Porém, o transporte coletivo ainda é o encontro de milhões de pessoas trabalhadoras, das companhias de transporte ou não, que dependem desse sistema para acessar seus destinos.

Nesse sentido, é urgente que o Ministério da Saúde atue para garantir segurança sanitária e, inclusive, pautar a atuação de outros órgãos do Governo Federal, que precisam assegurar as condições e recursos financeiros para a proteção da vida em veículos, vagões, terminais etc.

Fonte: https://www.uol.com.br/carros/colunas/kelly-fernandes/2021/04/09/falta-de-vacinas-e-de-mascaras-podem-levar-a-greve-no-transporte-publico.htm