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Carta de economistas dá sinais de rompimento da elite com Bolsonaro
José Paulo Kupfer
Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.
Pipocam cada vez mais as evidências de que a situação provocada pela pandemia de covid-19 está chegando num limite extremo em nosso país. “Situação” aqui engloba colapso generalizado dos sistemas de saúde, que está na origem do aumento exponencial do número de mortos, e também bloqueios, por enquanto intermitentes ou apenas parciais, de atividades econômicas. Mais mortos, mais contágios e menos economia é a equação macabra que toma corpo no Brasil.
Uma dessas evidências, entre as mais recentes, é o documento público de economistas, banqueiros e profissionais do mercado financeiro, clamando pela adoção de um roteiro de medidas para enfrentar a pandemia e, ao mesmo tempo, evitar a quebra da economia. Com 200 assinaturas iniciais e a adesão posterior de mais do dobro de profissionais, a carta de economistas afirma no título que o “País pede respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo”.
Embora recebido com críticas e queixas por economistas de viés mais heterodoxo, o manifesto é uma prova contundente de que o descontrole da pandemia está corroendo o apoio à política econômica dita reformista do governo. Nesse sentido, apesar de não promover um consenso, o documento é bastante relevante. Ele pode marcar – ou compor com outras manifestações – um divisor de águas no apoio ao governo Bolsonaro.
Descreve-se o documento aqui como “carta de economistas”, e não “dos” economistas porque muitos deles, inclusive diversos bastante ativos nos debates públicos dos temas econômicos, não assinam o manifesto que defende quatro pontos: 1) acelerar ritmo de vacinação; 2) incentivar uso de máscaras tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa; 3) implementar medidas de distância social em âmbito local com coordenação nacional; e 4) criar mecanismo de coordenação de combate à pandemia em âmbito nacional.
Antes da ausência de adesão de nomes de economistas ilustres, porém, é a presença de pessoas identificadas com a elite financeira que explicita a percepção de que a situação de descontrole diante do gravíssimo problema sanitário, humanitário e econômico está próxima de uma ruptura. Chama a atenção entre os signatários do manifesto o nome de banqueiros, como Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles, do Itaú-Unibanco, o maior conglomerado financeiro privado do país.
Além deles, e de ex-ministros da Fazenda, caso de Maílson da Nóbrega, Pedro Malan, Rubens Ricupero e Marcilio Marques Moreira assinam a “Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Pandemia” cinco ex-presidentes do Banco Central (Affonso Celso Pastore, Persio Arida, Armínio Fraga, Gustavo Loyola e Ilan Goldfajn), assim como ex-presidentes do BNDES e o presidente do ramo brasileiro do global banco Credit Suisse, José Olympio Pereira.
Recheado de nomes de economistas identificados com linhas de pensamento econômico liberal, muitos vinculados a escolas como a FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro) e da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica, do Rio de Janeiro), a “Carta”, na versão de origem, também ganhou a adesão de parcelas de profissionais do mercado financeiro – a chamada “Faria Lima”. Mas assim como economistas dos institutos de economia das universidades federais, USP (Universidade de São Paulo), Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e de centros regionais ficaram de fora, também profissionais de viés liberal não aderiram. É o caso de Marcos Lisboa, Marcos Mendes, e de outros nomes do Insper, e de Mansueto Almeida, do banco BTG.
Economistas não alinhados com a visão mais liberal da economia afirmaram, em redes sociais, que houve restrição à adesão ao documento de economistas de centro-esquerda ou esquerda. Um dos autores do documento, o economista Thomas Conti, professor do Insper, cientista de dados e CEO da AED Consulting, consultoria especializadas em avaliar impacto econômico de leis e regulações, nega a insinuação. “Não houve veto de assinaturas”, disse Conti à coluna. “Só não houve convites infinitos ou tentativa de já ter todos como primeiros signatários”.
Segundo Conti, não houve coordenação central de quem assinaria ou não assinaria, quem foi convidado e quem não foi. “Assinou a primeira divulgação quem foi convidado a tempo e concordou”. Essa ausência de coordenação talvez possa ser explicada pela origem do manifesto. A “carta de economistas” nasceu, como tantas outras iniciativas nos dias atuais, num grupo de whatsapp, que reúne mais de 200 profissionais da área.
A produção do texto, de acordo com informações de Conti, começou com três participantes do grupo e terminou com cinco – ele, Marco Bonomo e Paulo Ribeiro, do Insper, Claudio Frischtak, fundador de uma consultoria de negócios, no Rio, especializada em projetos de infraestrutura, e Sandra Rios, diretora do Cindes, também consultora de negócios, também do Rio, com especialidade em comércio internacional.
Fonte: https://economia.uol.com.br/colunas/jose-paulo-kupfer/2021/03/22/carta-de-economistas-da-sinais-de-rompimento-da-elite-com-bolsonaro.htm
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