Buser é ilegal? De quem é a culpa por acidentes? Entenda a disputa

Colaboração para Tilt, em São Paulo

04/02/2022 18h34Atualizada em 04/02/2022 18h46

Em meio a uma disputa judicial contra a startup Buser, empresas que fazem o transporte rodoviário de passageiros no estado de São Paulo usaram uma lista de reclamações e acidentes envolvendo a frota associada ao app da companhia — conhecida como “Uber de ônibus” — para alegar que ela não oferece segurança durante as viagens e não protege os direitos do consumidor.

O levantamento divulgado pelo Setpesp, sindicato de empresas de transportes de passageiros de SP, nesta semana traz 18 acidentes de ônibus reportados no Reclame Aqui e noticiados em sites regionais e nacionais, que teriam alguma relação com a Buser. A disputa entre os lados evidencia mais uma face do imbróglio jurídico em torno dos apps de transporte.

Para a advogada Caroline Dinucci, especialista em direito do consumidor, a Buser se encontra em uma zona cinzenta, STF (Supremo Tribunal Federal) vetou que cidades pudessem proibir o funcionamento de aplicativos de mobilidade.

Como a Buser funciona

A Buser oferece um aplicativo onde é possível comprar passagens para diferentes cidades brasileiras a preços mais baratos do que o valor base cobrado pelas empresas de viação tradicionais. Isso é possível por causa do modelo de negócio, no qual o valor pago pelos passageiros na plataforma é dividido para custear o fretamento da viagem, realizado com empresas parceiras que já atuam no setor de viagens com passageiros.

Em resposta enviada a Tilt sobre o levantamento Setpesp, a startup questiona os critérios e o enviesamento usados no documento. Para ela, o sindicato tenta manchar a imagem da Buser requentando “mentiras para tentar manter o monopólio no transporte de passageiros e impedir a concorrência que cresce no setor desde a chegada da tecnologia dos aplicativos.”

Para o sindicato, os acidentes ocorridos reforçam a decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que proibiu parceiros da Buser de circularem na cidade de Ubatuba, litoral norte paulista, alertando para a questão da falta de segurança na prestação do serviço.

Afinal, é irregular ou não é?

A Buser destaca que o seu trabalho é fazer a intermediação entre quem deseja viajar e empresas que fazem essa viagem. De acordo com seu site, ela não possui veículos próprios. Ela fica responsável por fretar os ônibus de transporte coletivo rodoviário.

A questão, pelo ponto de vista da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), é que a Buser não deveria funcionar por:

  • não ter cadastro junto à entidade, regra que as empresas tradicionais de transporte rodoviário devem seguir.
  • ser uma empresa autorizada a fazer fretamento, e não venda de passagens.
  • não contratar o fretado em nome de um grupo para fazer turismo, que é o que prevê a regra, mas por indivíduos separadamente.
  • não dar garantias de direitos como remarcação de passagens e reembolso, o que pode lesionar os passageiros.
  • não conceder gratuidade para crianças de até 6 anos, se transportadas no colo, ou descontos e gratuidades para estudantes e idosos, coisas que já ocorrem normalmente no transporte rodoviário tradicional.

Em seu site, a startup diz que todas as empresas parceiras “são regulares e possuem as devidas autorizações para operarem o serviço de fretamento junto ao órgão regulador federal (ANTT) e aos órgãos estaduais correspondentes (DER, DERSA, ARTESP, entre outros).”

Em caso de viagens canceladas, os usuários podem pedir reembolso, diz a companhia em sua página na internet. Em caso de pagamento via cartão de crédito, o estorno “ocorrerá em até 5 dias úteis e pode ser realizado até 300 dias após o pagamento.”

As discussões quanto à legalidade da Buser, destaca a advogada Dinucci, acontecem, em partes, pois a startup se apresenta como uma companhia de tecnologia e não de transportes. “Ela faz a intermediação, via plataforma online, entre pessoas interessadas em fazer uma mesma viagem de ônibus com empresas privadas”, explica.

“A matéria é complexa e muito semelhante à discussão que tivemos anos atrás envolvendo táxis e aplicativos de transportes, em que os primeiros possuíam alvarás e demais autorizações, enquanto os veículos relacionados aos app não”, lembra ela.

Nem mesmo o governo atualmente tem uma posição concreta sobre a legalidade ou não do serviço da Buser.

Enquanto a ANTT defende que seja aplicada a regra do circuito fechado no fretamento — onde empresas de ônibus fretados precisam voltar ao ponto de origem com os mesmos passageiros, Ministério da Economia recomenda a extinção do Decreto 2.521/98 e da Resolução da ANTT 4.777/15, que criaram essa regra.

Para a FIARC (Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial), ligada ao ministério, a norma cria barreiras de entrada para novas empresas no segmento, aumenta o custo de operação das companhias e limita a capacidade de escolha dos consumidores. O Ministério do Turismo também se posicionou contra a regra do circuito fechado.

Em acidentes, quem deve ser responsabilizado?

Por mais que a Buser trabalhe no momento em uma zona cinzenta regulatória, os passageiros devem ser amparados e ressarcidos pela startup em caso de acidentes envolvendo serviços ligados à companhia, ressalta a advogada.

“Do ponto de vista do direito do consumidor, há o entendimento de que qualquer agente envolvido na cadeia de consumo responde por eventual dano causado ao consumidor em decorrência de um serviço ou produto”, explica.

Logo, isso se aplicaria tanto a Buser quanto as empresas terceirizadas por danos relacionados ao serviço de transporte. Para a advogada, os Tribunais devem adotar essa regra em suas decisões.

“Vale lembrar que o dever de indenizar existe desde que provada relação entre o dano sofrido pelo consumidor e a prestação do serviço”, completa.

O advogado Breno Stefanini, também especialista em direito do consumidor, concorda: “se a empresa participa da cadeia de consumo — e ela participa, porque ela tem lucro com essa atividade —, ela é responsável solidária. Isso quer dizer que a Buser também tem responsabilidade por qualquer dano que as pessoas venham a sofrer”, diz.

“Isso não vale só para a Buser, mas para todas as plataformas que se dizem intermediadoras como Uber, 99 e iFood. O cliente não vai atrás da empresa privada, ela vai atrás dessas empresas intermediadoras por conta da reputação delas. Por jurisprudência, elas também podem vir a ser responsabilizadas solidariamente”, completa.

Guerra na Justiça

A Buser disputa judicialmente —em diferentes localidades do Brasil— para provar que sua atividade econômica encontra-se dentro da legalidade.

Empresas de ônibus, como a Pássaro Marron, alegam que a companhia “faz concorrência desleal e atua de forma irregular, por vender passagens de forma individual” em serviços de viagens fretadas.

Sobre esses aspectos, a advogada Dinucci acrescenta existe a dificuldade de definição por se tratar de uma nova forma de exploração econômica envolvendo o lucro de novas plataformas online e a competição de mercado com serviços tradicionais. “De toda forma, a princípio, entendo que seria leviano considerar que a atividade em questão é ilegal.”

Para Breno Stefanini, a legislação brasileira não está adequada às demandas atuais da sociedade. “Mas essas empresas também têm que se adaptar ao Estado, para que não seja prejudicado nem o serviço público, regulamentado pela ANTT, nem a população. Precisaria haver uma modernização da legislação”, afirma.

Tendência de regularização

Assim como os aplicativos de transporte de passageiros em carros particulares sofreram forte resistência no início, a Buser deve passar por esse período de disputas judiciais. Contudo, os entrevistados acreditam que ela tem chances de conseguir a regulamentação de sua atividade no país.

“A tendência é que se regularize e que a legislação se adapte a esse serviço. Uber é um bom exemplo porque ele foi um pioneiro desta área aqui no Brasil. Com todos os percalços que ela passou, hoje a Uber opera regularmente”, relembra Stefanini.

A mesma visão é partilhada por Denucci. “A tendência é que o serviço seja regularizado, sobretudo em razão da economia colaborativa em que estamos inseridos”, afirma — economia colaborativa é um conceito onde bens e serviços são obtidos de forma compartilhada pelas pessoas.

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Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2022/02/04/acidentes-com-onibus-da-buser-viram-argumento-contra-legalizacao-de-servico.htm