O bunker dos Alpine

HERENTALS, Bélgica  – Jean Rédélé, o criador dos esportivos franceses Alpine, morreu em 2007 deixando muitos órfãos. O mais excêntrico deles mora no interior da Bélgica. Ludo Van Orshaegen é um técnico em eletrônica que gosta dos Alpine tão profundamente que construiu um bunker para guardá-los.

Em 1976, Ludo era um garoto de 22 anos que amava o Alpine A110. Conseguiu comprar um, usado, e curtiu seu sonho por um ano, até sofrer um acidente que destruiu o carro.

O tempo passou, veio o casamento e a família. A paixão pela marca de Dieppe teve que esperar. Quando ajeitou a vida, Ludo saiu em busca de um novo Alpine. Depois comprou outro, outro e mais outro… ele sempre jurava para a esposa Rita que seria o último da coleção.

Ludo parece um sujeito bem normal, que gosta de cerveja e se veste de forma simples. Curiosamente, não liga para automóveis em geral – sua paixão é devotada exclusivamente aos Alpine, esportivos feitos de 1955 a 1995, sempre com motor Renault traseiro e carroceria de fibra de vidro.

– São as linhas da carroceria que me atraem. Além disso, é um carro muito gostoso de dirigir. Um kart! – explica.

Inicialmente, os Alpine ficavam guardados em um hangar de metal e tinham o funcionamento afetado pelo inverno belga, de temperaturas em torno de 3°C. Os motores não pegavam e os freios emperravam.

Em 2002, Ludo começou a construção do bunker no quintal. De fora, o que se vê é apenas um cogumelo de fibra de vidro – parece uma casinhola para guardar apetrechos de jardinagem.

Entrando no cogumelo, Ludo mexe em uns botões e o chão de madeira começa a baixar. Descobrimos que estamos num elevador de carros, que nos leva a uma segunda câmara, escura e vazia. As paredes são de tijolos de cimento, sem acabamento. Parece que é tudo o que há para ver. Ludo vai até o fim de um corredor, tira umas tábuas e revela que há mais um nível subterrâneo.

Luzes acesas e o choque: há 48 Alpine dentro de uma sala de 20m de comprimento, por 12m de largura e 4m de altura. Um segundo elevador leva até a coleção. Há carros no chão e outros em prateleiras de aço.

– Aqui sempre faz 15°C. Além disso, tenho meus carros por perto e protegidos, sem ocupar todo o quintal – explica o excêntrico.

Há um Alpine de cada modelo, de cada versão e de cada país.

Ludo tem, por exemplo, três Willys Interlagos, nas versões berlineta, cupê e conversível – eram os Alpine A108 fabricados no Brasil na década de 60.

Os mais antigos são os A106 franceses, dos anos 50. Há também os Alpine fabricados na Bulgária (Bugaralpine), na Espanha (Fasa) e no México (Dinalpin).

A maior variedade é dos A110, em todas as suas versões, incluindo os brabos GT4.

Mais recentes são os A310, com motor de quatro cilindros ou V6. E há ainda protótipos que nunca chegaram às ruas.

Os estados de conservação variam de escombros até modelos prontos para exposição.

Mas como movimentar a frota? Quando há um rali ou encontro de Alpine, os amigos de Ludo são convocados a dirigir.

– Cada carro já tem seu “dono” fixo – conta o boa-praça.

E, assim, a obra de Rédélé está preservada na raiz de um cogumelo, nas profundezas de um quintal do interior da Bélgica.

Do Fusquinha ao Fórmula 1

jason vogel dirigindo daimler
jason vogel dirigindo fnm
jason vogel linha de montagem fusca
jason vogel pilotando f1

Gostou da história acima? Ela está no livro “Do Fusquinha ao Fórmula 1” (Editora Gulliver), do jornalista Jason Vogel. Ao longo de três décadas, ele se esmerou em fazer um suplemento de automóveis diferente de todos os outros. Era o CarroEtc, publicado no jornal O Globo entre outubro de 1992 e fevereiro de 2021. Onde mais o leitor poderia conhecer as sensações de guiar veículos tão díspares quanto um caminhão Saurer 1911 e um Fórmula 1 moderno? Sentir a vertigem dos 15km/h no comando de um Benz 1886, e a paz dos 320km/h ao volante de um Audi R8 GT?

“Do Fusquinha ao Fórmula 1” é uma caprichada seleção de 50 reportagens que escreveu para o caderno, que agradará não apenas aos nostálgicos leitores do CarroEtc como também a autoentusiastas que não conheceram o suplemento.

“Meu principal objetivo sempre foi transformar porcas e parafusos em um assunto atraente até para quem jamais tirou habilitação. É um difícil equilíbrio de dar leveza aos textos, sem descuidar do apuro técnico. Graxeiros, afinal, não gostam de que o automóvel seja tratado com superficialidade”, diz o autor, de 51 anos.

Carros memoráveis

O livro começa com carros que fizeram história: uma visita não autorizada à última linha de produção do Fusca, no México, uma carona no eterno e apartidário Rolls-Royce da Presidência da República e impressões ao volante de marcos da engenharia automobilística, como o Ford T, o Citroën Traction Avant, o Mercedes-Benz 300 SL “asa de gaivota” e o Trabant, ícone do realismo socialista da Alemanha Oriental.

Testes únicos

A segunda parte é dedicada a testes. Para quem realmente ama máquinas e motores, chafurdar num charco com um jipão militar Humvee pode ser tão divertido quanto pilotar, em Interlagos, um McLaren Senna, hiperesportivo de 800cv e US$ 2,2 milhões. São emoções diferentes, mas sempre emoções…

As viagens pelo mundo — na terceira parte do livro — revelam aos leitores peculiaridades mecânicas de diferentes regiões do planeta. Há desde uma visita à garagem-estrebaria do Palácio de Buckingham, em Londres, até uma incursão às profundezas de Rondônia, para conhecer o berço dos jericos motorizados.

Entre testes de carros nos lagos gelados da Arjeplog, no Círculo Polar Ártico, e as mobiletes que ainda são febre em Arfoud, no portão do Saara, temos assuntos suficientes para um tratado de antropologia automotiva.

Personagens históricos

Em seguida vêm personagens que tiveram suas vidas, de alguma forma, ligadas a carros, motos e até bicicletas motorizadas. Carlos Miranda é um deles: ator do seriado Vigilante Rodoviário, na década de 60, passou a encarnar seu personagem na vida real a bordo de um Simca Chambord.

Há também as histórias de Leon Herzog, judeu que escapou de um gueto na Polônia e veio para o Brasil criar a Leonette, pioneira das motos nacionais. E, ainda, a Família Zapp, que foi crescendo dentro de um Graham-Paige 1928, enquanto dava um giro de 20 anos ao redor do planeta.

Não faltam os pesados

Para encerrar, há reportagens sobre os pesados — tema tão vasto que inclui uma viagem de Fenemê pela Rio-Bahia, as derradeiras linhas do Routemaster, o clássico ônibus de dois andares britânico, os velhos bondes cariocas que atualmente rodam nos Estados Unidos e os caminhões da Guerra Fria que hoje disputam passageiros no Uruguai.

Com 280 páginas e fartamente ilustrado, o livro pode ser comprado diretamente no site da editora Gulliver (clique aqui para adquirir).

Custa R$ 59,90, mais o envio (R$ 15, para qualquer parte do Brasil). Na compra de dois ou mais exemplares, o frete é grátis.

Outra opção é fazer o pedido via e-mail, com direito a autógrafo do autor: [email protected]

Fotos: Jason Vogel | Divulgação

Fonte: https://autopapo.uol.com.br/noticia/o-bunker-dos-alpine/