1º de maio: o trabalhador da bola segue perdendo direitos

Lei em Campo

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós graduado e mestrando em Direito Desportivo, é conselheiro do Instituto Ibero Americano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

01/05/2021 15h26

O primeiro de maio é um dia de descanso para o trabalhador. Não só no Brasil, mas em grande parte do mundo. Uma data para lembrar da importância da força do trabalho na construção de uma sociedade mais justa e igual. Mas a data também para serve para refletir como proteger direitos ameaçados, como aqueles a que os trabalhadores da bola têm direito. A Lei 14117 é mais um exemplo.

Antes de tudo, um exercício necessário.

Esqueça a fantasia que invade o que você consome sobre esporte, em especial sobre o futebol.

Messi, e parceria não representam a realidade do trabalhador do futebol. Nem de longe.

O jogador de futebol no Brasil tem o mesmo perfil da maioria dos trabalhadores. Ele é pobre, trabalha muito, ganha pouco, e enfrenta. Dificuldades diariamente.

A média de salário de quem vive da bola é muito parecida com a do trabalhador brasileiro. 82% deles ganham um salário mínimo. 13% entre R$ 1.000,00 e R$ 5.000,00, e apenas 5% mais de R$ 5.000,00 reais por mês (levantamento de 2019 da Pluri Consultoria).

Essa realidade deve ficar ainda mais difícil com os efeitos da pandemia, que atingiram em cheio também a economia do esporte.

Para complicar, tem algo pouco lembrado, inclusive por aqueles que deveriam se preocupar com o atleta: diferentemente da maioria das pessoas que trabalham em outras áreas, a carreira no esporte é mais curta, e o trabalho sazonal é a regra. Portanto, a aposentadoria é algo distante até do horizonte.

O trabalhador da bola joga 10, 15 anos, desse tempo consegue contribuir para o INSS em 3, 4 anos no máximo. Ele para de jogar, e não tem absolutamente nada, nem o consolo da aposentadoria num horizonte possível.

Aos 30, 35, 40 anos, ele precisa começar do nada.

Por isso sempre repito nas conversas que tenho: jogador de futebol é a pior profissão que existe no Brasil.

Não dá para esquecer: jogador é um trabalhador do esporte. A própria lei reconhece o óbvio, e obriga que o atleta tenha com o clube um Contrato Especial de Trabalho Desportivo.

E o que já é complicado, pode ficar ainda mais difícil.

Chegamos na lei 14117.

Por causa da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro promulgou, na última quinta-feira (29), artigo de lei que suspende o pagamento pelos clubes das parcelas do Profut devido aos prejuízos financeiros que o esporte esta sofrendo causado pela Covid-19.

(O Profut é a lei de responsabilidade fiscal no futebol que foi criada em 2015. Seria para funcionar mais ou menos assim: quer crédito do governo, tudo bem, assuma responsabilidade)

A norma sancionada pelo presidente tem validade retroativa, de março a dezembro de 2020, período da chamada “calamidade pública”. Assim, os clubes ficam desobrigados de arcar com as parcelas relativas a esses dez meses do ano passado. Ainda, os valores não quitados serão adicionados no saldo devedor para pagamento ao final do financiamento.

Mas, além disso…. nesse pacote, também veio o artigo que prevê que os clubes não precisam recolher o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e contribuições previdenciárias durante a vigência da calamidade pública e por 180 dias após ela acabar (ou seja, junho de 2021).

Assim, esta suspensa a previsão da Lei Pelé que estabelece que atraso de mais de 3 meses no recolhimento do Fundo dá ao atleta o direito de buscar a rescisão indireta do contrato de trabalho, estando livre para trabalhar em outro clube e buscar judicialmente esse recolhimento. A possibilidade de rescisão indireta no caso de atraso do salário ou direitos de imagem por período igual ou superior a três meses fica mantida.

Claro que a economia precisa de socorro; o futebol, também.

Agora, cobrar essa fatura de atletas (lembre que a imensa maioria ganha pouco e eles são os mais atingidos com a falta de recolhimento de FGTS) não me parece ser o caminho mais correto.

Essa ajuda do Governo vem sem contrapartida. Ou seja, ganha o benefício e não precisa dar nada em troca. O Estado perde receita, que poderia ir justamente para investir na saúde, proteger a destruída educação e também fomentar a própria economia.

As conquistas trabalhistas que vieram com Getúlio Vargas, e que no futebol ganharam força a partir de 1995 com a Lei Bosman, que acabou com a escravidão do “passe”, vão sendo atacadas.

A data do primeiro de maio foi escolhida em homenagem ao esforço dos trabalhadores dos Estados Unidos, que, num sábado, 1º de maio de 1886, foram às ruas das maiores cidades do país para pedir a redução da carga horária máxima de trabalho por dia, e lutar por uma vida mais justa.

A luta dos manifestantes foi bem-sucedida: na virada do século 20, boa parte dos trabalhadores do país já seguia o ritmo de 8 horas diárias – antes, era comum os americanos ficarem nos empregos nada menos do que 100 horas por semana, o equivalente a aproximadamente 16 horas para cada um dos seis dias de ocupação.

E a luta dos trabalhadores da bola, como terminará? Se não houver união da categoria, diálogo e mobilização, o final me parece claro. E triste. Socorrer o futebol é fundamental, mas com os trabalhadores da bola tendo voz nessa discussão, como foi nos EUA.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2021/05/01/1-de-maio-o-trabalhador-da-bola-segue-perdendo-direitos.htm