A Física e a pandemia do novo Coronavírus nos vestibulares

Dulcidio Braz Jr

Dulcidio Braz Jr. é físico pelo Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atuou como pesquisador no Departamento de Eletrônica Quântica antes de perceber que seu caminho era o da educação. É pioneiro no Brasil no ensino de relatividade, quântica e cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. Hoje, além de professor, é autor de materiais didáticos e faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor e aluno em tempo integral –enquanto ensina, também aprende.

07/01/2021 18h18Atualizada em 07/01/2021 18h18

Completando a trilogia A Física e a pandemia do novo Coronavírus nos vestibulares, publico hoje mais duas questões onde tento imaginar como a pandemia poderia aparecer como pano de fundo de questões de Física em provas de vestibular.

Se você ainda não viu as duas outras publicações nesta mesma linha, confira em parte 2.

Enunciado para as questões 4 e 5:

Termômetros digitais, como o da imagem ao lado, podem medir a temperatura de um objeto sem tocá-lo e quase instantaneamente, mostrando o valor da medida numa telinha de cristal líquido. Para tanto, basta apontar o termômetro para o objeto e capturar, ao clique de um botão, a radiação térmica invisível por ele emitida. Para garantir a perfeita pontaria, pode ser usado um sistema de mira laser, representado de forma meramente ilustrativa na imagem. Mas a mira pode ser desligada pelo operador do termômetro uma vez que a medida da temperatura não tem nada a ver com o laser em si. Tais termômetros, por serem muito ágeis e atuarem sem o contato físico, têm sido muito úteis no controle da temperatura corporal de pessoas que circulam, por exemplo, em aeroportos. Um dos sintomas característicos da CoViD19 é a febre e, portanto, o controle da temperatura corporal de indivíduos em locais com grande circulação humana pode ajudar a descobrir possíveis contaminados com a CoViD19, isolando-os de forma segura, evitando o efeito dos super espalhadores da doença, ou seja, o contágio de muitas pessoas por um único indivíduo contaminado. Lamentavelmente, notícias falsas têm sido espalhadas nas redes sociais por negacionistas que alegam que tais equipamentos emitem radiação perigosa à saúde e que poderia penetrar no cérebro daqueles que têm sua temperatura medida na testa. Influenciados por estas fake news, muitas pessoas se negam a medir a temperatura pela testa e oferecem, por exemplo, o pulso, alegando que ali a radiação emitida pelo termômetro seria menos danosa. Mas o laser usado nestes termômetros é tão somente luz visível vermelha, de baixa intensidade, tal com a luz vermelha presente em lâmpadas, nas telas de TV e smartphones, e até mesmo na radiação solar.

Questão 4. Uma das maneiras de descobrir a temperatura T absoluta de um corpo à distância é medir a frequência de pico da curva espectral da radiação eletromagnética por ele emitida e aplicar a Lei de Wien que afirma que

onde C = 1.10¹¹ Hz/K é uma constante típica da natureza.

Admita que:

  • Uma pessoa está com febre quando a sua temperatura corporal supera 37 °C;
  • 1 THz = 1.10¹² Hz.

Suponha que um destes termômetros digitais em perfeito funcionamento e bem calibrado detecte frequência de pico de 31,1 THz para a radiação térmica emitida pelo corpo de uma pessoa. É correto afirmarmos que:

a) a pessoa está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 38 °C.
b) a pessoa não está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 38 °C.
c) a pessoa não está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 31,1 °C.
d) a pessoa está febril pois a sua temperatura corporal aferida pelo termômetro foi de 311 °C.

RESOLUÇÃO

Pela Lei de Wien, fornecida no enunciado, temos:

Note, nos cálculos acima, que as unidades Hz presentes tanto no primeiro quanto no segundo membro da equação se cancelam, restando para a resposta a unidade K. Como as alternativas estão todas em °C, fizemos a conversão de K para °C lembrando que o valor de uma temperatura em K é sempre 273 unidades acima do valor em °C.

Perceba ainda que a alternativa D é para alguém bem distraído que, obtendo o valor 311, não percebesse a necessidade de conversão de K para °C. Mas tem um detalhe: como uma pessoa poderia ter temperatura corporal de 311 °C? Impossível! É um valor muito acima da temperatura de ebulição da água sob pressão de 1 atm. Um vestibulando atento descartaria, de pronto, esta alternativa. Concorda?

Concluímos que a temperatura aferida pelo termômetro digital foi de 38 °C. Portanto, a pessoa está com febre.

Resposta: alternativa B

Questão 5. Nos termômetros digitais, a temperatura pode aparecer na tela de cristal líquido tanto em graus Celsius (°C) quanto em graus Fahrenheit (°F). E a troca de unidades na medida, bastante simples, é feita através de um botão que, clicado, alterna entre °C e °F. Suponha que o botão emperrou e o equipamento travou as medidas em °F. Um operador do termômetro, brasileiro, bastante acostumado com medidas de temperatura em °C, se vê em apuros ao aferir T = 104 °F para a temperatura corporal de uma determinada pessoa e não saber se ela está ou não com febre. Lembrando que, na pressão de 1 atm, o gelo funde a 32 °F e a água ferve a 212 °F, é correto afirmar que o indivíduo que teve a temperatura aferida em 104 °F:
a) está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 40 °C.
b) não está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 40 °C.
c) está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 72 °C.
d) está febril pois a sua temperatura corporal é de exatamente 39 °C.

RESOLUÇÃO

Usando a equação de conversão de °C para °F, previamente conhecida¹, teremos:

Descobrimos, pelos cálculos acima, que T = 104 °F correspondem a 40 °C que, estando acima de 37 °C, caracteriza estado febril.

Resposta: alternativa A

¹ Observação: A informação “Lembrando que, na pressão de 1 atm, o gelo funde a 32 °F e a água ferve a 212 °F” fornecida no enunciado é para, caso você não se lembre da equação de conversão de °C para °F, você possa deduzi-la usando a ideia de que as variações de temperatura em qualquer escala obedecem relações lineares.

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É isso!

Espero que você tenha curtido a trilogia e que, de alguma forma, ela possa ser útil!

Abraço do prof. Dulcidio! Física na veia! E, se for prestar vestibular, desde já, boa prova!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/fisica-na-veia/2021/01/07/a-fisica-e-a-pandemia-do-novo-coronavirus-nos-vestibulares---parte-3.htm