Por que nossos rios e córregos ajudam a aumentar o aquecimento global?

Daniel Schultz, Monica Matsumoto e Shridhar Jayanthi

sobre os colunistas

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. É formada em engenharia pelo ITA, doutora em ciências pela USP e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é agente de patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO). Tem doutorado em engenharia elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de engenheiro de computação pelo ITA. Atualmente, trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Cristina Schultz*

18/04/2021 04h00

Um 4 vezes maior do que toda a indústria de aviação.

Se no passado o papel dos rios no clima da Terra era visto como um meio de transporte de carbono da terra para o oceano, hoje em dia há diversos grupos de pesquisa focados em desvendar o papel dos rios e córregos em processos complexos de transformação do carbono de matéria orgânica em gases de efeito estufa.

Análises feitas em rios em diversas partes do mundo têm concluído que poluição aumenta, e muito, a emissão de gás carbônico, metano e óxido nitroso (todos eficientes gases de efeito estufa) por rios.

Parece paradoxal, mas grande parte do problema é que fertilizantes e esgoto não (ou mal) tratado que chega nos rios fornecem um excesso de nutrientes para as algas, algumas microscópicas, que crescem rapidamente nessas condições.

Apesar de todos os ecossistemas dependerem do aporte de nutrientes como carbono e nitrogênio, em sistemas aquáticos nutrientes em excesso levam ao colapso do ecossistema por um processo chamado eutrofização.

Ecossistemas aquáticos reagem muito mais rápido a quaisquer mudanças comparado a ecossistemas terrestres, com algumas algas microscópicas (fitoplâncton) sendo capazes de dobrar a população a cada 4 horas. Com excesso de nutrientes, as algas crescem de maneira descontrolada e logo em seguida a quantidade de predadores cresce também.

Como os nutrientes são consumidos rapidamente, o crescimento das algas diminui e logo o ecossistema tem um excesso de predadores. Com menos algas presentes para produzir oxigênio e muitos animais respirando, a quantidade de oxigênio dissolvido na água cai e o ecossistema todo acaba sufocando.

O resultado são rios cheios de matéria orgânica em decomposição, que gera um excesso de gás carbônico e, na ausência de oxigênio, excesso de metano e óxido nitroso.

rios próximos de áreas urbanas contêm até 4 vezes mais gás carbônico e óxido nitroso, e até 10 vezes mais metano.

Os mecanismos que mais contribuem para essas diferenças são descarga de nutrientes vindos de fazendas e saneamento inadequado. O aumento da poluição está, portanto, ligado ao aumento mal planejado da urbanização.

Atualmente, 80% do esgoto é descarregado no meio ambiente.

Uma notícia boa, no entanto, é que programas de restauração de rios têm obtido resultados extremamente animadores, melhorando a qualidade da água, diminuindo o risco de enchentes e aumentando a biodiversidade global.

Entre as medidas adotadas por esses programas estão a melhora no tratamento de esgoto através de melhores tecnologias ou aumento na quantidade de estações de tratamento, e a preservação de mata nativa próximo aos rios, que ajuda a absorver parte dos nutrientes antes que cheguem até a água.

Um outro problema é que durante o processo de urbanização muitas vezes o curso dos rios é alterado de maneira artificial, o que acaba por aumentar a acumulação de sedimentos em algumas partes. Esse acúmulo pode ter efeitos negativos como a diminuição do fluxo de água e da quantidade de oxigênio.

Restaurar a forma natural dos rios é outra medida que melhora a qualidade da água e que pode até economizar muito dinheiro, já que evita a constante necessidade de dragagem e construção de barreiras de contenção com um custo elevado de manutenção.

Por último, reduzir a quantidade de fertilizantes utilizados na agricultura, ou dar prioridade a métodos mais sustentáveis, são ações que não só melhoram a qualidade da água nos rios como podem ser benéficas para a diminuição do impacto da agricultura no clima e podem gerar lucro para o Brasil, como já foi tratado aqui.

Para quem não está convencido da necessidade de melhorar a qualidade dos rios, basta tentar cruzar São Paulo por qualquer marginal durante o horário de pico de trânsito. Manter as cidades limpas (e menos fedidas) também aumenta a sensação de bem-estar no dia a dia e a quantidade de opções de lazer.

Pesca, turismo, ou apenas manter rios como um lugar de encontro para passear no fim do dia são metas que foram atingidas mesmo em cidades grandes e/ou portuárias como Londres e Hamburgo.

O cuidado com os rios é mais uma evidência de que combater o aquecimento global não é apenas uma lista de privações, e que as ações necessárias podem melhorar a nossa qualidade de vida e abrir as portas para uma série de atividades de lazer que são impensáveis em diversas cidades atualmente.

* Cristina Schultz é oceanógrafa formada pela USP, com mestrado em meteorologia pelo Inpe e doutorado em oceanografia química pelo Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI) e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Atualmente faz pós-doutorado na Universidade da Virgínia (UVA). Sua pesquisa é focada em combinar o uso de dados coletados em cruzeiros oceanográficos e modelos para entender as consequências das mudanças climáticas observadas durante as últimas décadas na química do oceano e no ecossistema marinho em áreas polares (mais especificamente na Península Antártica, no Golfo do Alaska e no Mar de Chukchi)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/para-onde-o-mundo-vai/2021/04/18/como-rios-e-corregos-de-nossas-cidades-influenciam-o-aquecimento-global.htm