Parem a contagem! São 9,15 metros!

Juca Kfouri

07/11/2020 00h00

POR RICARDO PORTO*

Folha seca, pombo sem asa, foguete… 

A criatividade do torcedor, que tudo enxerga e nomeia, consagrou muitos termos para definir os gols de falta. Gols que reúnem qualidades essenciais ao grande jogador – precisão no chute, efeito na bola, visão, e um pouco de sorte.      

O Flamengo, discutivelmente a melhor equipe do Brasil, recheada de craques, não faz gols de falta há dois anos. O último foi marcado por Diego em 10 de junho de 2018. 

A média de gols de falta no Campeonato Brasileiro vem caindo nas profundezas do abismo de parábolas inesperadas. Em 2011, foram marcados 44 gols de falta. Em 2019, 17. Este ano, encerrado o primeiro turno, apenas 8, sendo que 2 da lavra de Marinho, do Santos.

Teriam nossos jogadores desaprendido a arte de bater na bola com perfeição? 

Onde se escondem os herdeiros de Zico, Marcelinho Carioca, Juninho Pernambucano, Nelinho, Ronaldinho, Rogério Ceni? – apenas para ficar nos últimos 35 anos de futebol porque se escarafuncharmos o cemitério das chuteiras imortais a lista de exímios batedores será interminável.

Em plena era do VAR, dos replays “por todos os ângulos pra você”, da arma chamada gol de bola parada, o gol de falta está… em falta. Virou imagem de arquivo.

É verdade que numa temporada atípica, marcada pela sequência absurda de jogos, ficar meia hora depois do treino buscando acertar a toalha pendurada na forquilha, como fazia Zico, é um esforço que pode cobrar seu preço em lesão muscular.

Verdade também que as equipes, atuando fechadas e com marcação alta, evitam cometer infrações perto da área.

Quem assiste aos jogos observa que os árbitros pouco se preocupam em manter os 9,15 m regulamentares de distância entre a bola e a barreira. 

A distância está na regra 13, nunca foi modificada. Por orientação da CBF, em função de uma disputa judicial sobre a patente, árbitros deixaram de carregar o spray de espuma que demarcava o local da barreira. Voltou-se ao “passômetro”. Faz-se vista grossa ao ensaiado minueto das barreiras, que avançam orquestradamente em direção à bola. 

De acordo com Leonardo Gaciba, chefe de arbitragem da CBF, a tecnologia à disposição na sala do VAR está evoluindo, mas não é capaz de medir a distância entre dois pontos. 

O protocolo do VAR, aprovado pela Fifa, não permite que uma linha imaginária seja traçada e o árbitro de campo avisado, por rádio pelo árbitro de vídeo, sobre o local correto de posicionar a barreira. 

Os árbitros devem sim, diz Gaciba, advertir com cartão os infratores. Confesso que, se é assim, me passou batido. 

Se perde tanto tempo para bater uma falta perigosa hoje em dia que talvez ninguém notasse a interferência positiva do VAR. Fica a dica.     

Enquanto isso, vai morrendo uma das marcas do futebol brasileiro, imortalizada em tantos lances históricos que a gente poderia passar o fim de semana inteiro descrevendo parábolas imaginárias com os dedos e a memória. Como aquela folha seca que acaba de cair no jardim.

*Ricardo Porto é jornalista.

Fonte: https://blogdojuca.uol.com.br/2020/11/parem-a-contagem-sao-915-metros/