Novos casos mostram como futebol tem que cuidar melhor das concussões

Lei em Campo

Andrei Kampff é jornalista formado pela PUC-RS e advogado pela UFRGS-RS. Pós graduado e mestrando em Direito Desportivo, é conselheiro do Instituto Ibero Americano de Direito Desportivo e criador do portal Lei em Campo. Trabalha com esporte há 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo e viajado por 32 países atrás de histórias espetaculares. É autor do livro “#Prass38”.

02/11/2020 04h05

Por Thiago Braga

Duas notícias neste final de semana mostram que o futebol precisa dar mais importância para os choques de cabeça e as doenças relacionadas a eles. No domingo (1), a família de um dos maiores jogadores da história da Inglaterra revelou que Sir Bobby Charlton, 83, está com demência. Dois dias antes, o também campeão mundial com a Inglaterra Nobby Stiles, 78, morreu, vítima de demência. Em julho deste ano, Jack Charlton, 85, outro campeão da Copa do Mundo de 1966, e irmão de Bobby Charlton, morreu e também havia sido diagnosticado com demência.

No final do ano passado a CBF apresentou para International Football Association Board, órgão que rege as regras do futebol mundial, duas opções para alteração na regra do jogo em casos de concussão: uma quarta substituição ou, ao menos, uma substituição temporária, de 10 minutos, para que os casos envolvendo choques na cabeça sejam mais bem avaliados.

No final de 2019, o IFAB disse que avaliava a criação de um grupo de estudos para aprofundar como fazer mudanças nas regras do futebol envolvendo a concussão. O movimento pela mudança nas regras tem crescido exponencialmente.

“Foi muito bem aceito o nosso protocolo no congresso da Conmebol. E com o advento do VAR, existe a possibilidade termos um médico na cabine do VAR. O médico não vai retirar o jogador do campo, mas ele vai avisar os médicos das equipes que é para observarem um determinado jogador porque há a possibilidade desse atleta ter sofrido uma concussão cerebral”, revela o médico da CBF, Jorge Pagura.

Hoje o que a Fifa tem é um protocolo que permite que o jogador seja avaliado por três minutos dentro de campo. Passado esse tempo, ele tem de deixar o gramado para ser atendido – mas sem nenhum exame complexo para identificar a gravidade do problema.

Totalmente diferente do que acontece no rúgbi. Durante um jogo, o atleta que sofre qualquer pancada na cabeça é analisado por um médico da partida, e não dos clubes ou seleções. O juiz pode recorrer ao sistema de vídeo para conferir o lance e exigir que o atleta saia de campo se realmente foi atingido na cabeça. Os testes são feitos num período de 10 minutos, para só então sair a decisão se ele pode voltar ou não para o jogo.

A FifPro, sindicato dos atletas profissionais, já pede desde 2018 a substituição temporária. Além disso, o sindicato pede um médico independente nas partidas para ajudar a decidir se um jogador com suspeita de concussão deveria continuar em campo, em vez de deixar a decisão para os médicos dos times. A entidade mostra preocupação porque, embora tais procedimentos sejam empregados com sucesso em diversos esportes, ainda não foram adotados pelo futebol profissional.

Outra entidade que mostra preocupação é a Federação Americana de Futebol, que apresentou um pedido para que a NWSL (a liga feminina de futebol) conduza um programa-piloto pelo qual sejam permitidas as substituições temporárias por conta de concussão. O argumento da Fifa para não deixar um time substituir um jogador que bateu a cabeça é a tática: um técnico poderia levar vantagem com a medida.

O caso mais famoso de encefalopatia traumática crônica no futebol é do ex-zagueiro Hideraldo Luís Bellini. Primeiro capitão brasileiro a levantar a taça de campeão da Copa do Mundo, em 1958, ele foi diagnosticado com o mal de Alzheimer. Convencida pelo médico que cuidava dele, a família resolveu doar o cérebro de Bellini para estudos. Em setembro de 2014, saiu o resultado: ele sofria de encefalopatia traumática crônica por conta das seguidas lesões que sofrera durante os quase 20 anos de carreira no futebol.

“A concussão é uma lesão cerebral que gera uma desaceleração brusca. É um tipo de traumatismo craniano que se caracteriza por uma perda transitória da consciência. Na maioria absoluta dos casos, a recuperação é completa, ficando apenas um esquecimento para eventos que ocorreram momentos antes ou logo após a lesão, e sonolência. É consenso que não se deve voltar aos esportes no mesmo dia do ferimento, ainda que a pessoa não apresente sintomas físicos. Retomar os esportes muito cedo aumenta o risco de uma segunda concussão, o que pode ser fatal”, alerta a neurologista Aline Turbino.

Enquanto o protocolo de concussão da Fifa se mostra falho, o protocolo de recuperação após comprovada a concussão está mais próximo do ideal. Ele é progressivo e leva um total de cinco dias a partir da data da lesão, considerando que as primeiras 48 horas são de repouso.

Na NFL há um médico independente para avaliar a situação do atleta. Para Aline Turbino, além do repouso e da redução nas atividades, há uma saída para melhorar a avaliação dos riscos de concussão no futebol.

“Não é porque o jogador está em pé que ele está bem. Ele pode ter um edema cerebral, um sangramento. A concussão é mesmo tratada de forma errada. Um exame completo não dura só três minutos. Por isso a saída pode ser ter um neurologista no campo para poder fazer a avaliação”, finalizou Aline Turbino.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2020/11/02/novos-casos-mostram-como-futebol-tem-que-cuidar-melhor-das-concussoes.htm