Volkswagen 1600, TL e Variant: uma história de robustez em tamanho família

Do sedã “Zé do Caixão” à perua Variant II, eles aliaram mais conforto à confiabilidade do Fusca

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

No Brasil, como na Europa, os primeiros modelos derivados do Karmann-Ghia, mesmo que não esportivo em desempenho, era um cupê jovial sem pretensões de levar a família e sua bagagem.

Assim, na década de 1960 a Volkswagen era o fabricante de um só modelo para o grande público. Os alemães, que haviam detectado a necessidade de uma segunda linha mais cedo, apresentavam em 1961 a série Typ 3 ou tipo 3 (leia quadro na página 2). Com algum atraso, a estratégia foi seguida por São Bernardo do Campo, SP. O Projeto B-135 ou Brasília — nome que homenageava a capital federal, mas não tencionava chegar ao modelo de produção — tomava por base um projeto da matriz que não chegou ao mercado, o EA-97 (leia quadro abaixo).

Derivado de um estudo alemão, o sedã 1600 era o primeiro Volkswagen no mundo com três volumes e quatro portas

Havia pressa para concluir o automóvel para o VI Salão do Automóvel em São Paulo, SP, em dezembro de 1968, onde ele dividiria as atenções com lançamentos importantes como fastback. Media 4,11 metros de comprimento com o mesmo entre-eixos do Fusca, 2,40 m.

O 1600 não poderia ser mais diferente da forma de besouro do Fusca. Por outro lado, era muito similar ao primeiro Volkswagen em concepção mecânica. O chassi-plataforma, alterado apenas no necessário para a fixação da nova carroceria, levava na traseira um motor de quatro cilindros horizontais opostos (boxer) arrefecido a ar, mas com a maior cilindrada vista na marca até então: 1,6 litro. O Fusca da época era 1,3, enquanto Kombi e Karmann-Ghia usavam motor 1,5.

Na Alemanha a linha Typ 3 recebera turbina de refrigeração baixa e carburador de fluxo horizontal, medidas que permitiam menor altura total para o motor e abriam espaço para bagagem acima dele. No Brasil, porém, o 1600 mantinha a turbina alta por questão de dificuldade de fornecedores, com o que oferecia apenas o porta-malas dianteiro e um vão para carga atrás do banco traseiro. O motor fornecia potência líquida de 50 cv e torque de 11 m.kgf (60 cv e 11,5 m.kgf pelo método bruto), suficientes para velocidade máxima de 135 km/h.

Na publicidade do 1600, o destaque à combinação de novo estilo à consagrada e resistente mecânica do Fusca

A transmissão manual de quatro marchas era comum à do Fusca, mas com diferencial mais longo (o mesmo da Kombi sem suas caixas de redução) a fim de reduzir a rotação do motor em vista da potência superior. Do 1300 vinham as suspensões tradicionais, independentes com barras de torção, sendo a traseira baseada no sistema de semieixos oscilantes. Os freios usavam discos na frente e tambores na traseira.

O Projeto B-135 ou Brasília — homenagem à capital federal — tomava por base um projeto da matriz que não chegou ao mercado, o EA-97, e resultou no 1600 de quatro portas

A produção efetiva, depois de um pequeno lote inicial, começava em janeiro de 1969. O trabalho da fábrica e da agência de publicidade Almap era convencer o consumidor de que não precisaria abandonar a resistente mecânica do Fusca “só por causa de umas linhas mais bonitas”, pois agora existia um “Volkswagen em nova embalagem”. Os anúncios chegavam a mostrar seu chassi com a mecânica para que fosse reconhecida a “alma” do Fusca no novo modelo.

Em seu primeiro teste, a revista Quatro Rodas apontou que “a concepção Volkswagen continua a mesma, com a vantagem de ter linhas bem mais atualizadas, bom acabamento e maior estabilidade. O silêncio interno é bem melhor que no 1300. Sua velocidade máxima é muito superior, embora ainda reduzida para um 1600. Ele fez 131 km/h, aproximadamente a mesma velocidade do Corcel. O motor responde de forma imediata às solicitações. Com mais potência, o 1600 consegue andar nas baixas velocidades de forma mais econômica que o 1300”.

Pelas formas e as maçanetas, o 1600 ganhou o apelido de “Zé do Caixão”; o chassi-plataforma usava barras de torção como no Fusca

Uma versão mais bem-acabada, o 1600 L, era adicionada em junho de 1969. Por um preço 11% mais alto o comprador levava acréscimos como bancos e painéis de porta revestidos em couro natural, assoalho com buclê de naílon, rádio, relógio no painel, buzina dupla e tampa do tanque de combustível com chave. Além disso, podia ter pintura em dois tons com o teto em branco, verde, bege ou preto em contraste à cor da carroceria e bancos dianteiros reclináveis. Com produção limitada, o 1600 L foi oferecido até março de 1970.

O 1600 básico recebia na linha 1970, lançada em fevereiro desse ano, novidades como para-choques de lâmina única, nova posição dos frisos laterais e bancos estofados em gomos. Pouco depois a Volkswagen anunciava a exportação do modelo para o México. A frente manteve os faróis retangulares até agosto seguinte, quando eles eram substituídos por quatro circulares na linha 1971. A tampa do motor era redesenhada.

Talvez pela falta de um nome apropriado — como um carro poderia se chamar apenas um número? —, o 1600 ganhou do público o apelido “Zé do Caixão”, nome artístico do ator e diretor de filmes de terror José Mojica Marins (1936-2020), já então consagrado. Diz-se que a alcunha vinha das formas da carroceria e das quatro maçanetas cromadas, que lembrariam alças de caixão.

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EA-97, a antevisão do “Zé do Caixão”

Antes que o sedã de duas portas Typ 3 chegasse ao mercado europeu em 1961, a Volkswagen desenvolveu um estudo ainda mais parecido com nosso 1600 “Zé do Caixão”: o EA-97, sendo EA a sigla para Entwicklungsauftrag ou ordem de desenvolvimento em alemão.

O sedã apresentado em 1960 foi elaborado sobre um chassi de Karmann-Ghia com dimensões adaptadas, mais largo que o original do Fusca. Embora as linhas das laterais sejam semelhantes às do Typ 3, o EA-97 é bem diferente na frente e na traseira, cujas formas são praticamente as mesmas do quatro-portas brasileiro. Entre as diferenças do alemão para o nacional, além da falta das portas traseiras, estão o recorte do capô dianteiro, os faróis circulares, as lanternas traseiras em posição mais baixa e a ausência de quebra-ventos nas janelas. O interior também se parece muito.

Desenvolvido com planos de produção, o projeto incluía uma perua (bem parecida com nossa Variant) e um conversível, mas a Volkswagen percebeu que ele ocuparia um segmento de mercado muito próximo ao do Typ 3, levando a competição interna — canibalização no jargão da indústria. Assim, a decisão foi enviar o ferramental já construído para o Brasil, onde recebeu as alterações que conhecemos e se tornou o primeiro modelo da família 1600.

O estudo do sedã EA-97 hoje faz parte do acervo do Auto Museum Volkswagen, museu da empresa em Wolfsburg, Alemanha. Os demais protótipos foram sucateados.

Fotos: Collection Dr. Etzold/Käfer-Dokumentation

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Fonte: https://bestcars.uol.com.br/bc/destaques/historia-volkswagen-1600-ze-do-caixao-tl-variant/