Trabalho brasileiro com grafeno virou destaque da ciência mundial

Daniel Schultz, Monica Matsumoto e Shridhar Jayanthi

sobre os colunistas

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. É formada em engenharia pelo ITA, doutora em ciências pela USP e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é agente de patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO). Tem doutorado em engenharia elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de engenheiro de computação pelo ITA. Atualmente, trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Luiz Martins*

11/04/2021 04h00

É possível que você não tenha ouvido falar, mas pesquisadores brasileiros conseguiram um feito extraordinário. Um feito que mesmo os cientistas das melhores universidades do mundo, como Harvard, MIT, Stanford etc., poucas vezes conseguem: eles tiverem seu trabalho publicado na capa da prestigiosa revista Nature.

Isso representa uma goleada, um 7 a 1 da ciência brasileira, que consolida a posição do Brasil como uma referência mundial em uma área de pesquisa chamada espectroscopia Raman, de extrema importância atualmente.

O trabalho, publicado em Laboratório de Nano-Espectroscopia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em colaboração com pesquisadores do Inmetro e da Universidade Federal da Bahia, e colaboradores nos Estados Unidos, Bélgica e Japão.

Nesse estudo, os cientistas fizeram importantes descobertas que podem ajudar a desvendar as propriedades do material ”camaleão” feito com grafeno que vem intrigando cientistas ao redor do mundo, utilizando para isso um equipamento construído pelos próprios pesquisadores da UFMG. Esse equipamento está inclusive em fase final de desenvolvimento para comercialização, com patentes em diversos locais do mundo como Estados Unidos, Europa, China e Japão.

Vamos entender melhor esse trabalho e por que ele ganhou tanto destaque internacional?

Começamos então com o material investigado, que é feito com grafeno.

O grafeno é um material formado por átomos de carbono fortemente ligados entre si, e que tem apenas um átomo de espessura sendo um propriedades do grafeno mudam drasticamente.

Utilizando-se uma espécie de interruptor, eles observaram que é possível mudar as propriedades dessa bicamada de grafeno, que pode se tornar um isolante elétrico ou um supercondutor —um material que conduz corrente elétrica sem nenhuma resistência, ou seja, sem dissipação de energia.

Tal comportamento surpreendeu a comunidade científica, que desde então vem buscando entender por que isso ocorre. Um eventual entendimento pode levar desde um Prêmio Nobel pela descoberta até novas e importantes aplicações tecnológicas, como já discuti aqui na coluna.

No artigo publicado na Nature, os pesquisadores brasileiros deram uma importante contribuição para essa discussão. Eles investigaram diversas amostras de bicamadas de grafeno giradas por diferentes ângulos, todos próximos ao ângulo mágico de 1.1°, usando um “nanoscópio”, que eles construíram no próprio laboratório.

O que significa “nanoscópio” e o que ele faz?

Assim como o microscópio nos possibilita enxergar o mundo micro; de objetos com dimensões próximas às das células no corpo humano, o nanoscópio permite ”enxergar” o mundo nano, de objetos com dimensões de nanômetros, mil vezes menores que uma célula, do tamanho de organelas ou moléculas.

Além do interesse científico, a possibilidade de enxergar e obter informações sobre o mundo nano tem aplicações práticas, já que torna possível entender e caracterizar os nanomateriais —materiais como o grafeno em que pelo menos uma das dimensões se encontra na escala nano— abrindo caminho para novas aplicações em nanotecnologia.

Mas diferente de outros equipamentos que também conseguem ”enxergar” o mundo nano, o nanoscópio possibilita extrair informações únicas sobre o material, usando, para isso, somente luz visível.

O que o nanoscópio permitiu observar?

Estudos anteriores mostraram que ao se sobrepor duas camadas de grafeno por um ângulo menor que 1°, os átomos de carbono das duas camadas de grafeno se rearranjam espontaneamente no material, formando diferentes regiões que vamos chamar de A, B e C.

Os detalhes de como os átomos estão arranjados em cada uma das regiões não interessam aqui, o que interessa é que elas estão separadas entre si por alguns nanômetros e essas regiões se repetem ao longo do material (imagine algo como ABC, ABC, ABC …).

Agora lembre-se que o nanoscópio consegue ”enxergar” estruturas com dimensões de nanômetros e, portanto, utilizando esse equipamento, os cientistas conseguiram observar, pela primeira vez, essas diferentes regiões A, B, e C através somente de um tipo específico de luz visível emitida em cada região.

Principalmente, os pesquisadores obtiveram as primeiras imagens de uma estrutura cristalina (que se repete periodicamente) utilizando luz visível já feitas até hoje.

Tal feito tem um potencial tecnológico enorme pois permite uma caracterização relativamente simples dessas bicamadas de grafeno giradas, que são os ”rock stars” atuais da pesquisa em materiais no mundo.

O nanoscópio consegue enxergar essas regiões através da luz emitida pelo material devido ao efeito Raman, que já expliquei aqui na coluna. Resumidamente, os cientistas iluminam a amostra com um laser de luz visível, em uma região da amostra próxima a uma ponta de ouro muito fina, e assim coletam a luz que a amostra emite.

Devido ao efeito Raman, parte da luz emitida possui uma energia menor do que a da luz incidente, e essa diferença de energia dá informação de como os átomos oscilam no material.

A função da ponta de ouro é amplificar o sinal Raman da amostra na região imediatamente abaixo da ponta. Portanto, ao mover-se a ponta e o laser em conjunto pela amostra, pode-se ter informação de como as regiões A, B, e C do material vibram e, assim, construir uma imagem dessas regiões baseado na luz vinda de cada uma delas.

De acordo com um dos autores, o professor Luiz Gustavo Cançado: ”apesar dessa tecnologia já estar sendo explorada precariamente há décadas, nós conseguimos inovar a estrutura dessa ponta de ouro, aumentando sua eficiência em até 10.000 vezes. Isso permitiu a observação direta da estrutura cristalina do grafeno girado, um feito inédito em termos de espectroscopia óptica.”

Além da imagem, os pesquisadores obtiveram importantes informações sobre as vibrações locais e suas interações com os elétrons no material, que podem ajudar a entender a origem da supercondutividade no grafeno girado com ângulo mágico, já que a interação entra as vibrações dos átomos com os elétrons em um material estão muitas vezes ligadas à origem da supercondutividade.

Esse trabalho é resultado de 15 anos de pesquisa do grupo brasileiro e foi uma espetacular demonstração de que no Brasil se faz ciência de ponta, apesar dos recursos escassos, e representa um importante alerta sobre necessidade de se priorizar o investimento em pesquisa no país.

* Luiz Martins possui graduação em Engenharia Química e mestrado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é doutorando no Departamento de Física do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na área de física do estado sólido experimental. Sua pesquisa abrange o estudo de espectroscopia óptica em materiais bidimensionais (com poucos átomos de espessura), e física de altas pressões.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/para-onde-o-mundo-vai/2021/04/11/ciencia-brasileira-no-topo-entenda-o-trabalho-brasileiro-capa-da-nature.htm