Teste: Novo Land Rover Defender 110 P300 se perde na tradução da história

Sou particularmente fã de carros com história, que carregam em seu DNA o legado da evolução de gerações e gerações, e cujo nome basta ser citado numa roda de amigos para que todos saibam do que estamos falando. Desta casta posso citar modelos emblemáticos como Suzuki Samurai/Jimny.

Por conta de toda a tradição envolvida, nada mais justo do que colocar o Land Rover Defender nesta lista. Mas, ao menos neste primeiro teste da nova geração do utilitário, eu prefiro contrariar o que ouvi até agora e dizer que esperava algo diferente: a tradução do velho para o novo se perdeu no caminho. 

Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)

Claro que não sou ingênuo de achar que o novo Defender fosse aquele 4×4 puro e duro de antigamente. Mas o que encontrei foi, guardadas as devidas proporções, um Discovery que se esforça para parecer um Defender – e que na verdade pouco lembra o carro original. A Land Rover abandonou o chassi em separado da carroceria para adotar uma plataforma monobloco (a mesma D7x do Discovery), embora com reforços e proteções para aguentar a pancadaria do off-road.

As suspensões por eixo rígido deram lugar a sistemas independentes na dianteira e traseira, com molas a ar. E a marca inglesa ainda equipou seu modelo mais fora-de-estrada com um motor 2.0 turbo a gasolina (Ingenium P300) usado em sedãs da Jaguar – que em nada tem a ver com a pegada do Defender. 

Veja bem, não estou dizendo que o Defender virou SUV de shopping, não é isso, mas ao mesmo tempo não consigo ver essa nova geração na savana africana daqui a 10, 20 anos…

Land ou Range?

Adaptar conceitos antigos aos novos tempos não é tarefa fácil. Mas estão aí o Jeep Wranger e o próprio Suzuki Jimny Sierra para provar que é possível fazer um blend de tradição e modernidade que agrade a gregos e troianos. A Land Rover optou por um caminho talvez muito elitista para esta nova geração do Defender, o que resultou num utilitário capaz, mas que poderia facilmente ter um escrito “RANGE ROVER” no capô.

Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)

Um exemplo claro disso que estou falando é o interior notadamente premium, recheado de telões e telinhas para o cluster, multimídia, comandos do ar-condicionado, etc. Alguns detalhes tentam remeter a um ambiente rústico, como parafusos à mostra nas portas e revestimentos sintéticos. Mas eles não enganam, estamos num carro chique.

Temos toda a parafernália eletrônica disponível, incluindo câmeras para ver o que o piso à frente nos reserva, botões para ajuste de altura da suspensão (pneumática) e os modos de condução off-road do sistema Terrain Response II. A transmissão automática de 8 marchas trabalha em conjunto com a tração integral permanente com opção de reduzida e bloqueio dos diferenciais central e traseiro.   

É sem dúvidas um conjunto muito valente no off-road, especialmente se tiver a ajuda de sapatos lameiros (nosso exemplar de teste veio vestido com pneus Goodyear Wrangler de uso misto). A capacidade de imersão é de elevados 90 cm, os ângulos de ataque e saída são de respeito (37,5 e 40 graus, respectivamente) e a suspensão a ar absorve muito bem os impactos do piso, além de proporcionar um vão livre do solo de até espantosos 29,1 cm! Coloque o Defender numa trilha, acione a reduzida e o bloqueio traseiro, coloque o Terrain Response no modo que mais combina com a situação e fique apenas com o “trabalho” de acompanhar o modelo superando os obstáculos. 

Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)

Outra coisa bacana é que você pode levar muitos convidados (e tralhas) para curtir essa trilha. Isso porque o espaço interno do novo 110 é impressionante, entregando muita amplitude de movimentos para os ocupantes (são mais de 3 metros de entre-eixos). Cabem 3 pessoas confortavelmente no banco traseiro, e ainda mais 2 crianças nos banquinhos rebatíveis que ficam no porta-malas desta versão de 7 lugares. Sem usá-los, temos nada menos que 743 litros para bagagens – sem contar o rack do teto e a malinha de ferramentas colocada na lateral (acessório). 

As inconsistências, porém, voltam a aparecer debaixo do capô. O motor 2.0 turbo é um peixe fora d’água no Defender. Embora tenha bom torque para um 4-cilindros a gasolina, com 40,8 kgfm disponíveis logo a 1.500 rpm, ele parece limitado para levar o utilitário 2,3 toneladas – sim o 110 é grande e bastante pesado, e você percebe isso ao dirigi-lo.

Na prática, o esperto câmbio parece sempre ter de acordar o motor para entregar respostas mais ágeis, para compensar que de modo geral as reações do Defender são lentas. Se os números de desempenho estão longe de decepcionar (cravou 0 a 100 km/h em 9,1 segundos e retomada de 80 a 120 km/h em 5,8 s nas nossas medições instrumentadas), saiba que isso só vem com alta exigência do pedal da direita – o que afeta o consumo.

Ahhhh, o consumo… Este é outro ponto que mostra que esse motor, definitivamente, não nasceu para o Defender. Pelo fato de ser limitado em baixas rotações (lembre-se que estamos falando de um utilitário de 2,3 toneladas, e não de um sedã de 1,5 ton.), é preciso ser convicto no acelerador para que o jipão ganhe velocidade. E se este propulsor já não era dos mais econômicos em carros leves e aerodinâmicos, neste caso o resultado é ainda pior: 6,2 km/litro na cidade e 7,9 km/litro na estrada em nossas medições – o que deixa a autonomia rodoviária ao redor dos 700 km mesmo tendo um tanque de 90 litros.

Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)
Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)
Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)

Ou seja, se considerarmos que na terra o consumo é ainda mais alto que no trânsito urbano (registramos em torno de 4 km/litro nestas condições), longas viagens por locais mais afastados da civilização exigirão muito planejamento – ao menos até que a Land Rover traga ao Brasil o Defender com motor a diesel (na Europa ele está disponível nas versões D200, D250 e D300, sempre com 6 cilindros e um sistema híbrido-leve). Também seria interessante trazer versões mais baratas de comprar e manter, como uma com molas de aço no lugar das bolsas de ar, além, é claro, da versão de 2 portas Defender 90. 

Para viagens no asfalto, o Defender 110 é confortável, silencioso e desenvolve boas velocidades sem balanços exagerados da carroceria. Claro que não tem a dinâmica de um Range Rover Sport (nem é esta a proposta), mas é razoavelmente bem equilibrado nas curvas a despeito da direção anestesiada. Já os freios mereciam ser mais fortes para conter o peso elevado do modelo, exigindo longos 46,3 metros até a parada completa quando vindo a 100 km/h. Mas se a ideia é ir para terra só de vez em quando, então eu ainda fico com o Discovery.  

Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)
Teste: Land Rover Defender 110 P300 (BR)

De volta ao pensamento do começo, terminei o teste do novo Defender 110 com sentimentos mistos. Acho que o design e a proposta são fantásticos, mas o resultado remete mais a um Discovery menos formal do que a um utilitário legítimo como o antigo Defender – até mesmo no preço de R$ 461.150 desta versão HSE testada. Será que era só eu que esperava um jipe mais raiz, menos refinado, com um baita motor a diesel e, principalmente, mais acessível?  

Fotos: autor/Motor1.com

    

Land Rover Defender 110 HSE P300

MEDIÇÕES MOTOR1 BR (gasolina)
 
 
Defender 110 P300

Aceleração
 
 
0 a 60 km/h
4,5 s
 
0 a 80 km/h
6,6 s
 
0 a 100 km/h
9,1 s

Retomada
 
 
40 a 100 km/h em S
5,9 s
 
80 a 120 km/h em S
5,8 s

Frenagem
 
 
100 km/h a 0
46,3 m
 
80 km/h a 0
29,0 m
 
60 km/h a 0
16,3 m

Consumo
 
 
Ciclo cidade
6,2 km/litro
 
Ciclo estrada
7,9 km/litro

Fonte: https://motor1.uol.com.br/reviews/460174/teste-land-rover-defender-110-p300-brasil/