Por que nem a V60, auge da dinastia de peruas da Volvo, resistiu aos SUVs?

Rodrigo Mora

O blog Mora nos Clássicos contará as grandes histórias sobre as pessoas e os carros do universo antigomobilista. Nesse percurso, visitará museus, eventos e encontros de automóveis antigos – com um pouco de sorte, dirigirá alguns deles também.

Colunista do UOL

06/03/2021 07h00

(SÃO PAULO)É uma pena que apenas 232 consumidores tenham tido a sensibilidade de entrar em uma concessionária Volvo e sair de lá guiando uma V60. Ainda mais porque a perua acaba de sair de catálogo, após dois anos por aqui: com a decisão da marca sueca de vender no Brasil apenas modelos eletrificados, estão aniquiladas suas chances de um lugar ao Sol.

Em outras palavras: com um eixo no segmento mais esvaziado do mercado nacional – o das peruas – e outro em categoria ainda bastante restrita – o de elétricos e híbridos -, a V60 multiplica por dois suas chances de insucesso.

Fosse a V60 uma perua de qualquer outra marca, vá lá. Apenas desistiria do mercado um excelente carro, que reúne:

– posição de dirigir impecável para quem gosta de guiar mais perto do chão.
– direção leve nas manobras que enrijece conforme a velocidade aumenta e assim agrada a gregos e troinanos.
– motor 2.0 turbo, de 254 cv e 35,7 kgfm de torque e combinado a um câmbio automático de oito marchas, que vai muito além da sua obrigação de empurrar com vigor um carro familiar.
– atmosfera de luxo que se esfrega na sua cara sem ser pedante.
– espaço interno exemplar e porta-malas de 529 litros.

E que tem defeitos, também:

– a suspensão é habilidosa em pisos decentes, mas perde o jogo de cintura nos irregulares.
– realmente não há borboletas atrás do volante para trocas de marcha, teto-solar e câmera de ré, ou eu que não achei?

Imperfeito como todos, excelente como poucos – e não por causa do sistema de condução autônoma (por mim, eternamente dispensável), cujo recurso mais gentil e menos invasivo é o leitor de placas de velocidade, ou pelo sistema de som com dez alto-falantes e 170 W, ou pelo multimídia Sensus com tela de nove polegadas na vertical.

Mas sim por embalar tais e tantas qualidades em um tipo de carroceria cujo apelo não é mais apenas prático, mas também romântico. É o tipo de automóvel que deixa um buraco físico e emocional na sua garagem, quando vai embora (no meu caso, após uma semana de convívio).

E nem era tão cara assim: chegou custando R$ 199.950; partiu valendo R$ 225.950 – sempre menos do que o XC60, seu equivalente em potência, equipamentos e dimensões.

O problema é que a V60 vem de uma família tradicional de peruas, e quando um membro de uma família tradicional de peruas desiste do próprio reinado, significa que realmente não há mais reinado – ao menos no enfadonho depósito de SUVs que virou o Brasil.

Ancestrais

A árvore genealógica da V60 tem raízes na PV445 Duett, apresentada em 1953. Prática para o dia a dia e versátil no fim de semana (daí o nome, que em português equivale a dueto), seguiu até 1960, quando fora substituída pela P210 Duett, mantida até 1969. De tão emblemática, a PV445 Duett virou selo do correio sueco em 1997.

Se a PV445 Duett foi o primeiro passo, a P220 Amazon foi o grande salto da Volvo no terreno das peruas. Lançada em 1962 no Salão de Estocolmo, marcou a expansão da marca sueca para mercados estrangeiros, acentuando o apelo familiar. Mais equipada do que a Duett, se diferenciava também pela porta traseira, aberta para cima, não para os lados, como as duas da antecessora.

Tal como a elegante 1800ES, versão perua do cupê 1800 e raridade: de 1971 a 1973 somou apenas 8.078 exemplares fabricados. Item de colecionador.

A era das peruas quadradonas da Volvo começa com a 145, mas se populariza com a série 245, de 1974. Novo marco na história da Volvo, foi desenvolvida a partir de rigorosos requisitos de segurança que, de tão rigorosos, serviram de referência para os órgãos regulatórios dos EUA. Após duas reestilizações, se aposentou em 1993.

Outras stations wagons famosas da Volvo foram os modelos 740 e 760, de 1985. Destacavam-se os motores de seis e quatro cilindros – este, quando dotado de turbo, fazia frente a esportivos da época.

Revelada em 1990, a série 900 personificava a segurança automotiva com itens avançados para a época, como cinto de segurança com carretel de inércia de três pontos, encosto de cabeça ajustável para o banco traseiro central e assento para crianças integrado no apoio de braço central do banco traseiro. A luxuosa série composta pelos modelos 940 e 960 marcou a separação dos Volvo da tração traseira. Motores seis-cilindros de 2,5 e 3 litros compunham a gama de topo. Em 1997, deu lugar à V90.

A linha 850 marcou a estreia dos airbags laterais. E também foi um esportivo na versão 850 T5-R, equipda com um motor turbo de cinco cilindros e 240 cv. Familiar e esportiva, a perua ainda disputou o British Touring Car Championship in 1994.

Também esportiva foi a V70 R, equipada com o motor mais potente que a Volvo já havia instalado em um carro: 2.5 de cinco cilindros, turbo e gerador de 300 cv e 40 kgfm de torque. E o melhor, para os entusiastas: podia ser acoplado a um câmbio manual de seis marchas.

Primeira geração da V60 é de 2010. Focada no mercado europeu, sobretudo em mercados como Suécia, Alemanha, Reino Unido, Itália e Holanda, consumidores de 90% da produção da perua. Ponto alto foi a rara versão Polestar, sempre na peculiar cor azul e dotada de motor 2.0 turbo, de 367 cv e 47 kgfm de torque.

E pensar que, lá fora, a V60 acaba de ganhar nova versão Polestar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/carros/colunas/mora-nos-classicos/2021/03/06/por-que-nem-a-v60-auge-da-dinastia-de-peruas-da-volvo-resistiu-aos-suvs.htm