Overclocking: estão fazendo você funcionar como um processador no limite?

André Noel

Andre Noel é programador, webcartunista, autor do Vida de Programador, professor universitário (UEM e Unicesumar), youtuber e sabe pregar botões em roupas.

08/05/2021 04h00

Existe um termo conhecido em computação, que ouvíamos falar mais há uns bons anos, que é o overclock (ou overclocking), que eu lembro de ouvir quando era mais novo e era algo glamourizado como se fosse algo meio “hacker” para fazer o computador ficar mais rápido.

De uma forma bem simples, o processador do seu computador é projetado para funcionar em uma determinada frequência. O overclock consiste em configurar o computador para que o processador funcione em uma frequência maior do que o projetado. A frequência tem relação com quantas instruções por segundo um processador consegue lidar (o que hoje está na casa dos bilhões).

Segundo a Wikipedia:

Overclocking é o nome que se dá ao processo de forçar um componente de um computador a rodar numa frequência, definida em hertz, mais alta do que a especificada pelo fabricante. Apesar de haver diferentes razões pelas quais o overclock é realizado, a mais comum é para aumentar o desempenho do hardware. O overclocking pode resultar em superaquecimento do processador, instabilidade no sistema e às vezes pode danificar o hardware, se realizar de maneira imprópria.”

Como diz o trecho acima, seu processador não foi feito para funcionar em overclocking, porque fazer o seu processador funcionar o tempo todo no limite pode gerar superaquecimento, desgaste e diminuir o tempo de vida útil da máquina.

Bom, se o seu computador, que resolve bilhões de instruções por segundo, não foi feito para trabalhar no limite da sua capacidade 24 horas por dia, por que você acha que você conseguiria isso?

Nós vivemos em uma época em que nos é exigido (muitas vezes por nós mesmos) o máximo de produtividade, o máximo de dedicação e o máximo de resultados.

Há uma pressão constante e uma comparação constante de desempenho que nos gera uma ansiedade e a noção de que precisamos dar o sangue pelo nosso trabalho o tempo todo.

Para piorar, o período de pandemia e trabalho de casa (o famoso WFH – “work from home”, que é diferente do home office), ao invés de aliviarem essa noção, amplificaram o sentimento de muitas formas diferentes:

  • “Agora você não perde tempo em deslocamento, pode produzir mais”.
  • “As pessoas estão sem emprego, você precisa garantir o seu”.
  • “Se você não render 120%, tem muita gente querendo o seu lugar”.

Com isso, a gente está vivendo em overclock, pois o único jeito de dar conta das demandas é funcionar mais rápido e por mais tempo. Além de todas as notícias trágicas, preocupações com a família, pessoas próximas sendo atingidas pela doença, nós temos que dar conta de tudo.

Há um tempo atrás eu publiquei uma tirinha aqui sobre como fazer várias coisas ao mesmo tempo para conseguir dar conta de tudo. Naquela época, meu contador de quarentena estava ainda em 29 dias e a tirinha era um exagero. Hoje ela é muito menos exagero do que naquela época, porque realmente acabo levando meu trabalho para as lives, fazendo junto com quem me assiste, ou participo de reuniões finalizando tarefas, assisto aulas enquanto preparo outras aulas.

Então, estamos vivendo em uma época que nos exige muito mental e fisicamente, mas a nossa área impulsiona isso, porque, para quem vê de fora, a gente “só está no computador”. Não parece cansativo e também não parece a coisa mais importante do mundo, como se não houvesse nenhum problema em ser interrompido a qualquer momento.

As consequências do overclock em você parecem com as consequências do computador, mas com algumas diferenças. Ao invés de um superaquecimento físico, você vai ter um superaquecimento mental e vai chegar rápido ao famoso burnout, uma estafa física e mental que pode levar a consequências sérias, doenças, sem contar a queda na tão desejada produtividade.

Lembre-se: você não é uma máquina, mas se fosse, também não aguentaria viver no limite o tempo todo.

Tenha um tempo para você, cuide da sua saúde mental, negocie seus horários para funcionar melhor e, se você que me lê gerencia ou lidera equipes, não veja o seu pessoal como máquinas ou simplesmente “recursos”, pois o nosso maior bem como profissional de T.I. é o nosso cérebro, é o nosso pensamento humano, nossa criatividade. Não acabe com o lado criativo de sua equipe.

Em geral, temos que abrir mão de várias coisas durante a pandemia. Precisamos abrir mão de parte da produtividade, da perfeição, do mundo ideal, até porque vemos que esse não tem como ser o mundo ideal.

Vejo isso na educação dos meus filhos: eles estão perdendo momentos importantes de vida escolar e desenvolvimento social, mas o que me importa é que eles cheguem na vida adulta com saúde, sem sequelas e, se possível, com a presença dos pais e avós. O que eles perderem agora, a gente se adapta, como todo o resto do mundo vai ter que se adaptar.

Para ajudar, vou deixar aqui um vídeo que fiz em 2019, antes da pandemia, sobre “como ter um burnout na prática”, ou como evitar.

Se cuidem, uma ótima semana a todos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/andre-noel/2021/05/08/voce-nao-foi-feito-para-funcionar-em-overclocking.htm