O que o Flamengo deve levar da virada épica para a disputa pelo título

André Rocha

André Rocha é jornalista, carioca e colunista do UOL. Trabalhou também para Globoesporte.com, Lance, ESPN Brasil, Esporte Interativo e Editora Grande Área. Coautor dos livros “1981” e “É Tetra”. Acredita que futebol é mais que um jogo, mas o que acontece no campo é o que pauta todo o resto. Contato: [email protected]

Colunista do UOL Esporte

21/12/2020 08h10

A vitória do Flamengo sobre o Bahia por 4 a 3 será difícil de esquecer. Não só pela virada que parecia impossível, como pela expulsão de Gabigol, a acusação de injúria racial de Gerson contra Ramirez e a posterior demissão de Mano Menezes.

Mas depois de toda emoção envolvida é preciso avaliar racionalmente tudo que aconteceu na partida em si pensando no que importa, de fato, para os rubro-negros: as chances reais de virar também o campeonato e tomar para si o título que hoje parece mais perto do São Paulo, que tem cinco pontos de vantagem com um jogo a mais.

A expulsão de Gabigol é absurda, até suspeita. Não para alimentar a teoria da conspiração de um suposto favorecimento da CBF ao São Paulo, mas porque um árbitro que mostra cartão vermelho aos nove minutos de jogo para um jogador por palavrão proferido a metros de distância, com o apitador de costas, sabe que está interferindo diretamente no destino da partida.

Bem diferente, por exemplo, da punição do mesmo Flávio Rodrigues de Souza ao meia Daniel no final da partida ou no ano passado, ao mostrar cartão vermelho para Fernandão aos 44 minutos do segundo tempo da partida entre os mesmos times na Fonte Nova, com 3 a 0 no placar a favor dos baianos. O árbitro precisa considerar o contexto para aplicar o critério. Ele está lá para mediar.

As motivações para tal decisão podem ser as mais diversas, inclusive a antipatia pelo clube prejudicado. E os dirigentes rubro-negros têm dado bons motivos para isso nos últimos tempos. Inclusive questionar sistematicamente a credibilidade de um campeonato que o Flamengo disputa e ainda pode vencê-lo, como fez o presidente Rodolfo Landim ainda no intervalo do jogo.

Mas, vá lá, digamos que a luta pelo título seja mesmo “contra tudo e todos”. É preciso, então, ter mais cuidado dos jogadores no trato com a arbitragem, sem dar margem para muitas interpretações. A rigor, foi um protesto tolo de Gabigol em claro erro técnico do próprio camisa nove. Aliás, não foi a primeira vez que ele foi expulso por reclamação, tornando-se, assim, um alvo fácil.

É preciso também aprender a virar a chave no aspecto mental mais rapidamente. O time ficou desnorteado depois de perder um jogador, permitindo domínio praticamente automático do Bahia, que quase empatou com Nino Paraíba, completando passe de calcanhar de Gilberto.

Rogério Ceni reorganizou o time primeiramente em um básico 4-4-1, mas logo mudou para uma espécie de 4-3-1-1, com o recuo de Everton Ribeiro para a linha de meias e De Arrascaeta se movimentando atrás de Bruno Henrique, autor do primeiro gol em belíssimo chute no ângulo do goleiro Douglas e que ficou como referência para os contragolpes. Pela direita, ganhou sozinho a disputa com a defesa e chutou para defesa de Douglas e depois serviu Isla no segundo gol.

Mas o camisa 27 não pode cometer um erro técnico como o chute para fora completando belo passe de Arrascaeta. Fazer ou não o gol depende de outros fatores, mas sequer finalizar no alvo, completamente livre, uma bola à feição é inadmissível, ainda mais pelo contexto do jogo. Com 3 a 0 no primeiro tempo, a reação do adversário ficaria bem mais complicada.

É claro que Bruno Henrique merece elogios pela atuação no geral, inclusive cumprindo função pela esquerda que o desagradava nos tempos de Domènec Torrent. Defendeu, atacou e participou dos outros dois gols da virada, passando para Filipe Luís cruzar para Pedro e depois tocando no centroavante para o pivô espetacular de letra para Vitinho marcar o último gol. Mas o atacante que há um ano ganhou o prêmio de melhor jogador da Libertadores não pode falhar em uma finalização relativamente simples.

Assim como o Flamengo, que precisa de um ótimo aproveitamento nas 13 rodadas que faltam, não tem o direito de voltar do intervalo tão desligado da partida. Mesmo com os apelos de Rogério Ceni flagrados pela transmissão do Premiere no retorno ao gramado. O frágil Bahia de Mano Menezes permitiu a reação posteriormente. Em outro contexto, porém, os três pontos poderiam ter ficado pelo caminho, assim como o sonho do bi.

O desequilíbrio emocional de Gerson com a injúria racial de Ramirez após o gol do meia colombiano, o primeiro do time visitante, assim como as infelizes provocações de Mano Menezes à beira do campo, é mais que compreensível. Mas o efeito prático foi a virada dos baianos com os dois gols de Gilberto. Jogadores experientes, como Diego Alves, Rodrigo Caio e Filipe Luís poderiam ter evitado que o nervosismo do camisa oito contaminasse o time todo.

Necessário também questionar novamente as escolhas de Rogério Ceni. Assim como elas não foram criticadas na eliminação para o Racing na Libertadores apenas pelo revés na decisão por pênaltis, agora merecem observações mesmo com a virada.

Pedro deveria ter entrado bem antes dos 26 minutos do segundo tempo. E Arrascaeta era mais produtivo que Everton Ribeiro, apesar do belo passe do camisa sete, minutos antes, para João Gomes chutar no travessão de Douglas. O uruguaio saiu irritado com razão por ter sido substituído. Até porque Everton Ribeiro tem mais atrapalhado que colaborado, prendendo demais a bola e errando passes simples.

Pela declaração na coletiva pós-jogo, exaltando Everton Ribeiro por ter saído para a entrada de Diego Ribas sem reclamar, há o risco do técnico privilegiar a gestão do grupo e dar preferência a quem não tem entregado em desempenho, deixando Arrascaeta até como uma possível “bola da vez” para sair do time quando for preciso escalar Gabigol e Pedro juntos.

E o que queria Ceni ao trocar Isla por Vitinho e deslocar João Gomes para a lateral? Bastaram dois minutos para o treinador notar a bobagem que fez, com o jovem volante errando um bote na defesa e depois falhando no apoio ao receber linda inversão de Gerson. Ao menos consertou rápido colocando Matheuzinho. Com um especialista no banco e direito a cinco substituições, a improvisação foi difícil de entender e um erro desses em jogo mais parelho pode ser fatal.

A fibra e a força mental na virada épica merecem elogios. Ainda mais de Gerson, o melhor em campo e que virou o jogo também contra o preconceito. O triunfo pode servir como alavanca para a disputa que tende a se polarizar entre São Paulo e Flamengo com a queda do Galo e o foco de Grêmio, Palmeiras e Santos nos torneios em mata-mata.

Mas os rubro-negros precisam se preparar melhor para os imprevistos. Já que Ceni se inspira tanto em Jorge Jesus, poderia aproveitar as semanas livres para treinar o time com um jogador a menos, como fazia o português e foi bastante útil, por exemplo, nos 3 a 0 sobre o Independiente Del Valle no Maracanã pela Recopa Sul-Americana. A equipe claramente sabia o que fazer em campo apesar da desvantagem numérica. Bem diferente da aleatoriedade contra o Bahia.

O início de jogo, com intensidade, pressão no campo de ataque e velocidade para surpreender um adversário que tinha como proposta inicial se fechar atrás, deve servir como referência. Além do golaço de Bruno Henrique, Gabigol teve chance de ampliar em jogada bem coordenada pela direita entre Everton Ribeiro e Isla. É o norte a seguir, já a partir da próxima rodada, fora de casa contra o Fortaleza. Sem Filipe Luís, suspenso pelo terceiro amarelo, mas talvez com o retorno de Willian Arão, recuperando-se de lesão na coxa.

O Flamengo continua dependendo apenas de si para tirar os cinco pontos do São Paulo. Mas para vencer o Grêmio em Porto Alegre no jogo que falta cumprir para completar as 26 rodadas e chegar na 38ª e última com chances de fazer uma “final” com o time de Fernando Diniz no Morumbi é preciso errar menos pelo caminho. Bem menos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/andre-rocha/2020/12/21/o-que-o-flamengo-deve-levar-da-virada-epica-para-a-disputa-pelo-titulo.htm