O que explica a superação do Peixe em 2020

Rodrigo Coutinho

Rodrigo Coutinho é jornalista e analista de desempenho. Acredita que é possível abordar o futebol de forma aprofundada e com linguagem acessível a todos.

Colunista do UOL

08/12/2020 04h00

Mesmo afundado em uma crise política e financeira o Santos está nas quartas de final da Libertadores, e no Brasileirão tem apenas dois pontos a menos que o Grêmio, time que abre o G-4. Se o tamanho do clube não permite se contentar com isso, todo o cenário da temporada precisa ser entendido para valorizar os feitos. Marinho, Cuca, novamente a base rendendo frutos, e a capacidade do elenco em superar adversidades, fazem o Peixe competitivo em 2020.

Depois de iniciar o ano apostando em Jesualdo Ferreira e vendo um time muito apático em campo, o Santos deu a Cuca a missão de não só dirigir o time, mas também blindar o elenco de todo o conturbado ambiente político em ano de eleição, e da péssima gestão do clube. Mais habituado ao ”serviço sujo”, o brasileiro consegue se sair bem melhor que o português, a ponto de Marinho, melhor jogador no ano, dizer que Cuca era o ”presidente do Santos” na visão dos atletas.

É lógico que um time não passa a render somente pela gestão do vestiário. Ela é muito importante, principalmente na realidade atual do Peixe, mas precisa ser somada a um trabalho tático eficiente. E Cuca também trouxe isso. O time do Santos passa muito longe de um funcionamento perfeito e ideias geniais, mas hoje contempla as características de seus principais jogadores.

A começar pelo ritmo. Jesualdo tentou implementar uma construção ofensiva mais pausada. Ataque posicional e troca de passes com calma até se estabelecer no campo de ataque. No momento defensivo, marcação por zona, mas pouca agressividade na abordagem, liberdade constante ao adversário com a bola.

A intensidade nos dois momentos mudou muito! Esta é, sem dúvidas, a principal contribuição tática de Cuca ao time. Animicamente mais dispostos, os jogadores ganharam competitividade para implementar um outro modelo de jogo.

Esquema Tático e Formação Titular

Cuca vem variando entre o 4-4-2 e o 4-3-3, com uma propensão recente maior a primeira opção. A linha defensiva raramente muda. Diego Pituca, mesmo em um nível mais baixo que 2019, é titular absoluto. Jobson e Alison revezam ao seu lado. Contra times mais defensivos, o primeiro ganha espaço. Diante de equipes mais técnicas, o camisa 5 é o escolhido.

Marinho, Soteldo e Kaio Jorge são titulares, e a última vaga fica entre Lucas Braga ou um meio-campista, caso a opção seja pelo 4-3-3. Chama a atenção a forma com que utiliza Marinho e Soteldo. Muitas vezes centralizados ao lado de Kaio Jorge no ataque, o que dá ao time um desenho de 4-2-4 em fase ofensiva. Ora Soteldo joga ali, ora Marinho atua por dentro.

Fase Ofensiva

A presença das referências técnicas e de velocidade pelo meio do ataque tem ajudado o time ganhar profundidade pelo setor central, algo que não acontecia em partidas recentes. Cuca faz com que Kaio Jorge saia da área. Promove flutuações do garoto pela intermediária para auxiliar na articulação ou atrair a marcação de um zagueiro adversário. Desta forma, Marinho ou Soteldo infiltram em velocidade para receber os passes em profundidade.

A formatação também minimiza a ausência de Carlos Sanchez, lesionado desde outubro, e que provavelmente seria titular do meio-campo da equipe. Entre Jean Mota, Lucas Lourenço, Sandry e outras opções, como colocar Felipe Jonatan no meio e Wagner Leonardo na lateral, ainda não há uma unanimidade e nem funcionamento de time mais eficiente do que a opção citada acima.

Outra movimentação que merece destaque é a participação dos laterais. Pará e Felipe Jonatan possuem mais características de articulação do que agressividade e chegadas constantes na linha de fundo. Cuca, então, promove ataques da dupla pelo meio, como se fossem meio-campistas, deixando a amplitude do time a cargo dos pontas.

Lucas Braga, Marinho, Soteldo ou Arthur Gomes, seja quem estiver atuando pelos flancos, recebem de frente para os marcadores, e contam com a aproximação dos laterais vindos do meio ou com a infiltração deles em cima da última linha de defesa rival.

Pituca e Lucas Veríssimo são os homens mais ativos na saída de bola, que geralmente é feita com a primeira linha formada por três jogadores. Um volante entre os zagueiros. Jobson, quando atua e está concentrado, também qualifica este momento. Já Alison pouco acrescenta, e é mais importante nas transições defensivas.

A preferência é por passes curtos até chegar até a intermediária rival, mas o ritmo é bem rápido na maioria das vezes. Os passes médios ou longos em profundidade também são bastante utilizados para aproveitar a movimentação de Soteldo ou Marinho. Faltam mais mecanismos coletivos de movimentação perto da área e capacidade para superar marcação adiantadas dos adversários.

Fase Defensiva

Adepto da marcação por encaixes e perseguições, Cuca adotou esse estilo no Santos. Ela consiste em cada jogador tendo como referência de marcação um adversário que entra em seu setor. A partir disso ele o persegue até este atleta mudar de setor ou a jogada terminar. No caso do Peixe, as perseguições promovidas por pontas e laterais têm sido mais longas. Já as feitas por volantes e zagueiros são mais curtas, para não abrir espaços pelo centro do campo. O time oscila em alguns jogos. Pode ter um desempenho mais regular ao colocar em prática essa proposta.

A Base do Clube

Dizer que o Santos revela muitos jogadores é chover no molhado. Chama a atenção mais uma vez a capacidade que esses garotos têm de entrar e não sentir a responsabilidade. João Paulo, John, Wagner Leonardo, Vinícius Balieiro, Kaio Jorge e Bruno Marques foram importantes em momentos distintos. Cuca os lança sem medo e veste nesta atitude mais um mérito daquilo que vem fazendo.

Em uma temporada que muitos apostavam numa briga contra o descenso no Brasileirão e eliminação precoce na Libertadores, o Santos prova-se diferente. Méritos totais de jogadores e da comissão técnica. A diretoria só jogou contra!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/rodrigo-coutinho/2020/12/08/o-que-explica-a-superacao-do-peixe-em-2020.htm