Mortes no trânsito caem em 2019 e novo código não deve reverter tendência

Diogo Schelp

Diogo Schelp é jornalista com 20 anos de experiência. Foi editor executivo da revista VEJA e redator-chefe da ISTOÉ. Durante 14 anos, dedicou-se principalmente à cobertura e à análise de temas internacionais e de diplomacia. Fez reportagens em quase duas dezenas de países. Entre os assuntos investigados nessas viagens destacam-se o endurecimento do regime de Vladimir Putin, na Rússia, o narcotráfico no México, a violência e a crise econômica na Venezuela, o genocídio em Darfur, no Sudão, o radicalismo islâmico na Tunísia e o conflito árabe-israelense. É coautor dos livros ?Correspondente de Guerra? (Editora Contexto, com André Liohn) e ?No Teto do Mundo? (Editora Leya, com Rodrigo Raineri).

Colunista do UOL

26/10/2020 17h06

O número de mortes no trânsito no Brasil diminuiu 7% em 2019, confirmando a tendência de queda anual que se mantém desde 2015. No total, 30.371 pessoas perderam a vida nas ruas e estradas brasileiras no ano passado, em comparação com os 32.655 mortos em 2018. Os dados do Ministério da Saúde são preliminares e podem aumentar um pouco quando forem divulgados os números consolidados, mas ainda assim devem permanecer mais baixos do que em anos anteriores.

Temia-se que a cruzada pessoal do presidente obrigatoriedade do uso de cadeirinha para crianças, entre outras implicâncias que ele tem com as leis de trânsito, pudesse gerar um impacto negativo nas estatísticas. Isso não ocorreu porque, apesar das declarações e da tentativa do presidente de suspender o uso de radares móveis nas rodovias federais, outros fatores contribuíram para manter a tendência de queda nos óbitos no trânsito brasileiro.

“Nos últimos anos, uma série de fatores influenciou na redução dos acidentes com mortes, o que inclui maior rigidez com condutores alcoolizados, exames toxicológicos, aumento nos valores das multas, renovação da frota com veículos dotados de dispositivos de segurança e até a desaceleração econômica do país”, diz Jorge Tiago Bastos, chefe do departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Este ano, encerra-se o ciclo da Década de Ação pela Segurança no Trânsito (2011-2020), compromisso assumido pelo Brasil com as metas estipuladas pela Organização das Nações Unidas (ONU), para a redução das mortes no trânsito pela metade. Em 2010, a projeção de mortes para 2020 era de 62.445, se nada fosse feito. Por esse critério, portanto, o Brasil cumprirá a meta de redução em 50% do número estimado. Contribuirá para isso a brusca redução nos acidentes viários que se tem verificado em 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus, que reduziu o fluxo de veículos, principalmente no primeiro semestre do ano.

Bastos, no entanto, afirma que a estimativa feita dez anos atrás estava inflada, pois baseava-se em projeções de crescimento da economia e da frota do Brasil que não se confirmaram. Ou seja, dadas as circunstâncias, o país poderia ter feito mais para salvar vidas no trânsito. “A redução anual é lenta e sensível a mudanças no contexto econômico e nas políticas públicas. O enfraquecimento da fiscalização de trânsito, por exemplo, pode levar facilmente a uma tendência de alta”, diz Bastos.

A preocupação de que isso possa vir a acontecer ampliou-se com a aprovação de mudanças no Código de Trânsito por iniciativa do governo federal, que entrarão em vigor em abril do ano que vem. A proposta apresentada por Bolsonaro à Câmara dos Deputados em junho do ano passado tinha por objetivo aliviar a punição a infratores.

O texto que foi aprovado pelo Congresso Nacional e que foi sancionado, com alguns vetos, por Bolsonaro, porém, está longe de ser o retrocesso que se temia. Bolsonaro conseguiu a almejada elevação do limite de pontos (de 20 para 40) para suspensão da carteira de motorista. Mas os legisladores criaram uma regra de gradação, de modo que quem cometeu duas ou mais infrações gravíssimas segue sujeito ao limite de 20 pontos e quem cometeu uma gravíssima, ao limite de 30 pontos.

Além disso, do ponto de vista prático, o aumento no limite de pontos terá baixo impacto porque os Departamentos de Trânsito (Detrans) dos estados enfrentam dificuldades administrativas para aplicar a regra, efetivamente suspendendo quem extrapola a pontuação por infrações. O dano é, teoricamente, mais psicológico: os motoristas terão a sensação de que poderão cometer mais infrações sem uma punição mais dura além da multa em si.

Por outro lado, as mudanças no código tornaram mais rígidas outras regras, como o aumento da idade mínima para transportar crianças em moto, de 7 para 10 anos, e a obrigatoriedade da cadeirinha para crianças de até 10 anos com menos de 1,45 metro de altura.

Outra novidade importante é que motoristas embriagados que causarem acidente culposo com morte ou lesão em terceiros não poderão ter a prisão substituída por penas mais leves. Também há novas regras que protegem os ciclistas.

“Ainda há melhorias a serem feitas no Código de Trânsito. Por enquanto, o que se conseguiu com essa reforma inclui avanços e algumas concessões, e não deve piorar as estatísticas de acidentes”, diz Francisco Garonce, chefe de relações institucionais da Observatório Nacional de Segurança Viária e ex-diretor de Educação do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Uma coisa é certa: 30.000 óbitos continua sendo um dado muito alto, que coloca o Brasil entre os países que mais matam no trânsito tanto em números absolutos quanto em proporção à população.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/diogo-schelp/2020/10/26/mortes-no-transito-caem-em-2019-e-novo-codigo-nao-deve-reverter-tendencia.htm