Memes, TikTok e até Tinder: entre viralizar e esvaziar a política

Observatório das Eleições

O Observatório das Eleições 2020 tem como objetivo geral reunir um conjunto de dados empíricos, de natureza qualitativa e quantitativa, sobre o processo eleitoral municipal no Brasil. Aqui você encontra artigos, vídeos, infográficos e outros formatos de conteúdos com análises sobre as eleições de 2020, através de dados originais ou de sistematizações de dados públicos.

Oferecemos subsídio acadêmico e explicação pedagógica aos diferentes atores políticos, sociedade civil, comunidade universitária e imprensa para o debate sobre as questões centrais envolvidas no processo eleitoral. Apresentamos de forma didática e comparativa as principais pesquisas e amostras, além de discutir as características gerais do eleitorado. Visamos também tornar acessível as legislações envolvidas em cada um dos assuntos que serão relevantes nas eleições de 2020.

Nesse pleito, temos um contexto muito particular e multifacetado. Por isso, aqui você encontrará análises sobretudo dentro destes eixos:

Opinião PúblicaGênero e RaçaJustiça e EleiçõesGrupos de interesseFake NewsCidadesGeral
O Observatório das Eleições nasceu em 2018 como fruto da cooperação entre cientistas políticos e instituições de pesquisa de renome como UFMG, Unicamp, IESP/UERJ e UnB. É constituído pela reunião do conjunto de equipes de diferentes projetos, dentre eles participantes do INCT/IDDC (Instituto de Democracia e da Democratização da Comunicação), a equipe da Emenda Parlamentar nº 14080008, que se propôs a financiar parte das atividades do Observatório das Eleições, além de contar com o apoio da empresa Quaest Pesquisa e Consultoria.

09/11/2020 04h00

Luiza Jardim e Rachel Callai Bragatto*

Que as campanhas eleitorais seriam cada vez mais digitais, nós já sabíamos. As eleições de 2018 foram um marco no Brasil, quando um candidato à presidência com quase nada de tempo gratuito de televisão no primeiro turno foi eleito fazendo uso pesado das Whatsapp.

A pandemia foi o combustível que faltava para acelerar a migração das campanhas para a internet. Alguns municípios impuseram restrições às campanhas de rua, desde horário marcado para carretas até a proibição total das atividades de rua, fazendo com que o uso da internet se tornasse o centro da estratégia de visibilização. Mesmo nas cidades em que não há essas restrições, o incentivo a medidas de isolamento ampliou a mediação tecnológica e transformou as redes sociais nos espaços públicos da corrida pelos votos.

Na internet, qualquer pessoa pode, em teoria, ser um emissor de informações, mesmo sem muito recursos. Basta acesso à rede, alguma habilidade com aplicativos e conteúdo interessante, e a candidata ou candidato pode fazer com que a sua ideia chegue a um número razoável de pessoas. Essa facilidade pode ser vista como uma aliada da democracia, por dar palanque e voz para quem não é da política tradicional ou não possui tantos recursos.

Será que essa facilidade de emitir conteúdos equivale à alcançar maiores audiências? Uma vez que o modelo de negócios das plataformas digitais diminuiu o alcance orgânico das mensagens, a questão não é mais a capacidade de falar ou publicar algo, mas de distribuir conteúdos, ampliando o alcance. Isso tem sido possível mediante impulsionamento que é o pagamento para que as plataformas façam o conteúdo chegar a um público mais amplo.

Como as campanhas tentam viralizar na internet

Para viralizar, é necessário alguma dessas coisas, de preferência as duas: dinheiro e criatividade. O dinheiro sozinho faz bastante coisa. Mas, na ausência dele, ou quando o objetivo é potencializar ainda mais o efeito do investimento, a criatividade e o formato são aliados para que o conteúdo de fato atraia a atenção de quem está assistindo e, no fim, conquiste alguns votos. Cliques, curtidas e compartilhamentos permitem que o candidato tenha um termômetro de seu desempenho nas eleições – mas ainda não sabemos quão acurado.

Candidatas e candidatos têm buscado entrar na onda do TikTok, rede social baseada no compartilhamento de pequenos vídeos com edições divertidas, emoticons e filtros, fazendo perfil no Tinder, rede de paqueras, para, quem sabe, puxar um papo com alguém em busca de envolvimento.

Na última semana, dois candidatos à Prefeitura de São Paulo fizeram lives jogando Among US, um passatempo online que tem atraído um grande número de gamers. Dentre os participantes, estavam os candidatos e deputados estaduais Arthur do Val (Patriota), conhecido como Mamãe Falei, e Marina Helou (REDE), além do deputado federal Kim Kataguiri e do pianista e youtuber Lord Vinheteiro. A iniciativa copiou ação de outro candidato, Guilherme Boulos (PSOL), que viralizou ao jogar Among US com influenciadores digitais, youtubers, jornalistas e humoristas, ainda na primeira quinzena de outubro.

Estamos aptos a escolher nossos candidatos pela internet?

Para nós, eleitoras, cruzar com um panfleteiro na saída do metrô pode parecer comparável a ser atingidas por um stories e ir a um comício, a assistir uma live. Participar de um encontro com candidato seria o paralelo a entrar em uma sala de zoom no fim do dia. Mas algumas diferenças merecem destaque: as estratégias digitais tornam o candidato mais próximo, “gente como a gente”, distante a um post no Twitter, que entra e participa dos nossos espaços privados, sem a mediação da militância, ao mesmo tempo em que nós entramos na vida deles, inclusive nas suas casas.

Para cativar a nossa atenção em poucos segundos, candidatos estão apostando em interações mais emotivas do que em debates. Isso, porém, pode acabar por esvaziar a política, no sentido de que os posicionamentos, valores, pautas e projetos perdem lugar para vídeos, danças e memes.

Pesa ainda o fato de, nas redes sociais, estarmos sendo acessados pelas candidaturas no mesmo grau em que somos atingidos pelo lançamento de uma marca de sapatos, pela promoção de um delivery de hambúrgueres, de um curso EAD de pintura ou pelo perfil de alguém em um aplicativo de relacionamentos. Somos clientes, público-alvo. Nessa mistura de mensagens políticas, pessoais e publicitárias, com que qualidade estamos absorvendo as propostas de candidatos, refletindo sobre a cidade e fazendo as escolhas de voto?

Isso para não falar na opacidade das redes, com suas possibilidades de segmentação de conteúdos ou até mesmo de serem palco de estratégias de desinformação, que temos debatido extensamente neste Observatório. As notícias falsas, fake news, só têm essa enorme capilaridade por conta da internet e dos canais digitais. E, ao que vemos até agora, as redes sociais não têm trabalhado intensamente no Brasil para combater essas estratégias ilegais e desonestas.

Construção de diálogo na internet

A reação dos eleitores no meio digital é diferente da reação em uma conversa presencial. Quando gostamos de uma ideia, podemos, com alguns cliques, disseminá-la para as nossas redes, tornando-nos também propagadores daquela informação.

E quando não gostamos? É possível tentar deixar um comentário, chamar a pessoa para conversar, mas talvez ela nunca responda. Ou, o que é até mais provável, o possível debate de ideias pode se tornar uma troca agressiva, culminando em bloqueios e cancelamentos. Em uma sociedade polarizada, com pouco debate público sobre propostas e visões de mundo, a internet acaba sendo, em alguns momentos, um meio mais efetivo para discursos de ódio e ataques virtuais do que para diálogo e construção de consensos.

É necessário colocar a democracia digital e a arquitetura das plataformas no centro do debate, para que seja possível ampliar a voz daqueles que não possuem grande capital político ou econômico, por meio de campanhas mais baratas, mas sem esvaziar o debate político ou cair na massificação da desinformação.

Não é o que temos hoje. Desde agosto de 2020, mais de R$ 46 milhões já foram gastos, sobretudo por candidatos e candidatas, em impulsionamentos no Facebook e no Instagram. Isso mostra, como já apontado neste Observatório, que o poder econômico mais uma vez se impõe contra a premissa da igualdade de oportunidades.

A campanha eleitoral neste ano está enfrentando muitos desafios. A digitalização abre possibilidades, e ao fim deste período, teremos que avaliar os impactos do grande salto dado no uso desses mecanismos. Democracia e política são sobre diálogo e construção. E são também sobre acessibilidade. A mediação tecnológica da política só será sustentável e benéfica quando o interesse público estiver no centro do debate, das lógicas de funcionamento das redes, da regulamentação e da Justiça Eleitoral.

* Luiza Jardim é graduada em Administração Pública com minor em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisa participação social, democracia digital e política, é educadora política e integra o INCT/IDDC.
Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California – Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura. Faz parte dos coletivos Intervozes e Soylocoporti.

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/11/09/memes-tiktok-e-ate-tinder-entre-viralizar-e-esvaziar-a-politica.htm