Mais lucro: por que a agropecuária deve combater o aquecimento global

Daniel Schultz, Monica Matsumoto e Shridhar Jayanthi

sobre os colunistas

Daniel Schultz é cientista, professor de microbiologia e membro do núcleo de ciências computacionais em Dartmouth (EUA). Estuda a dinâmica dos processos celulares, com foco na evolução de bactérias resistentes a antibióticos. É formado em engenharia pelo ITA, doutor em química pela Universidade da Califórnia San Diego e pós-doutorado em biologia sistêmica em Harvard. Possui trabalhos de alto impacto publicados em várias áreas, da física teórica à biologia experimental, e busca integrar essas várias áreas do conhecimento para desvendar os detalhes de como funciona a vida ao nível microscópico.

Monica Matsumoto é cientista e professora de Engenharia Biomédica no ITA. Curiosa, tem interesse em áreas multidisciplinares e procura conectar pesquisadores em diferentes campos do conhecimento. É formada em engenharia pelo ITA, doutora em ciências pela USP e trabalhou em diferentes instituições como InCor/HCFMUSP, UPenn e EyeNetra.

Shridhar Jayanthi é agente de patentes com registro no escritório de patentes norte-americano (USPTO). Tem doutorado em engenharia elétrica pela Universidade de Michigan (EUA) e diploma de engenheiro de computação pelo ITA. Atualmente, trabalha com empresas de alta tecnologia para facilitar obtenção de patentes e, nas (poucas) horas vagas, é estudante de problemas na intersecção entre direito, tecnologia e sociedade. Antes disso, teve uma vida acadêmica com passagens pela Rice, MIT, Michigan, Pennsylvania e no InCor/USP, e trabalhou com pesquisa em áreas diversas da matemática, computação e biologia sintética.

Cristina Schultz

05/11/2020 04h00

Restrição é a primeira coisa que vem à cabeça quando pensamos em reduzir impactos da poluição: não para o uso de carros e caminhões, não para o consumo de carne, não para o uso de derivados do petróleo, não para o banho quente! Além da esfera individual, outras medidas também são colocadas como limitações para o crescimento econômico: não tocar nas florestas, consumir menos, inúmeras regras para as indústrias. No entanto, se olharmos para os resultados das pesquisas sobre como o Brasil pode diminuir a emissão de gases de efeito estufa de maneira mais eficiente, veremos que o cenário depende bem menos que nossas ações individuais.

Enquanto globalmente o maior desafio para diminuir as emissões de carbono é a geração de energia limpa, considerando que geração de energia equivale a 73% das emissões mundiais, no Brasil a maior parte das emissões vem de uma categoria chamada mudanças de uso da terra, que inclui desmatamento e agropecuária.

Grande parte da energia brasileira provém de hidrelétricas, que apesar de apresentarem inúmeros outros problemas ambientais, são relativamente “limpas” no que diz respeito à quantidade de carbono emitido, sendo responsáveis por cerca de 20% das emissões nacionais.

Somadas, as emissões brasileiras vindas da agropecuária e do desmatamento correspondem a entre 15 e 20% das emissões mundiais desse setor, representando, portanto, o setor onde o Brasil tem mais trabalho a fazer para diminuir as emissões.

Um dos problemas do setor agropecuário no Brasil é que a eficiência do setor varia substancialmente, mesmo em áreas com clima e solo semelhantes. Em 2006, 18% da área agricultável do país era responsável por 63% da produção.

Um estudo conduzido pela Iniciativa de Políticas de Clima (Climate Policy Initiative) da PUC-Rio em parceria com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e com a WWF (World Wildlife Fund) estimou que é possível dobrar a produção agrícola (incluindo gado) sem a necessidade de alocar áreas novas para cultivo.

Ou seja, aumentando o acesso a boas práticas de cultivo e tecnologia, e com os incentivos financeiros apropriados, é possível aumentar a produtividade e o lucro sem necessidade de desmatamento.

Algumas das ações recomendadas lidam com melhoras na maneira de utilizar a área disponível, como recondicionar áreas degradadas para serem usadas pela produção agrícola, aumentar a eficiência na engorda de gado e reflorestar áreas degradadas com eucalipto e pinheiro para ser usado na indústria de papel e celulose.

Outras medidas dizem respeito ao manejo da produção, como fixação biológica de nitrogênio ao invés do uso de fertilizantes, tratamento de dejetos animais e captura de metano (cuja combustão pode virar fonte de energia).

É importante reconhecer que em muitos casos a baixa produtividade não é culpa do agricultor, que trabalha fazendo o melhor que pode.

Para que as áreas menos produtivas possam crescer de maneira sustentável, é preciso um plano nacional que aumente o acesso dos agricultores a infraestrutura, tecnologia e informação, contando com pesquisas que indiquem quais as limitações em cada lugar do país.

As recomendações também incluem incentivos fiscais para que se preserve áreas de mata nativa como o Código Florestal, que incentiva a melhorar a produtividade ao invés de desmatar áreas novas para o plantio.

Há, portanto, uma lista extensa de tarefas para diminuir a emissão de carbono, que leva à pergunta que não quer calar: quem é que paga por tudo isso?

A boa notícia é que o Brasil só tem a ganhar, financeiramente, com essas medidas.

Um relatório da empresa de consultoria McKinsey Company estimou que aumentar a produtividade agrícola, reflorestar áreas não utilizadas e deixar a floresta em pé teria um custo negativo para o Brasil já que parte do financiamento necessário poderia ser obtido usando créditos de carbono.

Ou seja, aumentamos nossa produtividade, mantemos nossas florestas (com toda a biodiversidade e potencial de pesquisa) de pé e ainda lucramos ao vender créditos de carbono para países que têm um caminho muito mais árduo pela frente para diminuir suas emissões.

Seguindo no rumo atual, continua-se fechando o olho para o desmatamento (em grande parte ilegal) em prol de uma agricultura de baixo rendimento e ao custo da diminuição da biodiversidade, aumento de problemas climáticos como secas no Sudeste do país e poluição ligada a queimadas.

Uma visão alternativa de país inclui investimentos em infraestrutura e pesquisa que melhorariam a qualidade de vida de muita gente, aumentariam o lucro com agropecuária e trariam investimento estrangeiro para o país.

Há outras áreas que têm potencial de diminuir a emissão de carbono no Brasil, como investimento em biocombustíveis, mudanças no transporte e ações individuais, mas melhorias nas mudanças de uso da terra são as medidas de maior impacto no total de gases de efeito estufa emitidos.

Como cidadãos, nós expressamos nossa visão sobre qual visão de futuro nós queremos toda vez que optamos (ou não) por consumir produtos ecologicamente sustentáveis, e toda vez que votamos (ou não) em governantes com planos concretos para abordar esses temas.

No fim das contas, investir em um futuro com ar mais limpo, maior biodiversidade e lucro para o Brasil tem um impacto bem maior do que diminuir a temperatura do banho.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/para-onde-o-mundo-vai/2020/11/05/combater-o-aquecimento-global-pode-trazer-lucro-para-o-brasil.htm