Luto e isolamento: como a aposentadoria de Tevez comove a Argentina

Tales Torraga

Jornalista e escritor, Tales Torraga nasceu em Mogi das Cruzes (SP), mas é, segundo os colegas, “mais argentino que os próprios argentinos”. Morou em Buenos Aires e Montevidéu, girou pela imprensa brasileira e portenha e escreveu 15 livros ? o último deles, Copa Loca, é sobre a…Argentina nos Mundiais.

Colunista do UOL

22/12/2020 08h18

A carreira de Carlitos Tevez pode terminar nesta quarta-feira (23). Depois de perder do Racing por 1 a 0 na semana passada em Avellaneda, o Boca Juniors precisa reverter o placar amanhã às 21h30 na Bombonera para avançar às semis da Libertadores e permitir que o camisa 10 siga atuando aos 36 anos.

Embora Tevez despiste publicamente, nos bastidores do Boca é dado como certo que ele vai pendurar a chuteira assim que terminar sua Libertadores e seguir no clube como dirigente para trabalhar com Román Riquelme, Patrón Bermúdez e outros ex-jogadores que hoje compõem diferentes comissões.

Vindo nesta quarta, o adeus de Tevez seria novo motivo de tristeza em uma Argentina já golpeada pelas mortes de Diego Maradona e Alejandro Sabella e pelas aposentadorias de Fernando Gago e Javier Mascherano neste 2020.

Até os rivais mais ferrenhos (leia-se a torcida do River) concordam que Carlitos deveria encerrar sua trajetória no futebol com a Bombonera lotada – como esteve, aliás, quando ele voltou da Juventus para o Boca, em 2015, e nem jogo era. Um adeus melancólico, isolado, como o do colega D’Alessandro pelo Inter, é tudo o que o futebol argentino não quer passar como imagem.

A outra questão que faz o país seguir com ares de novela a sua aposentadoria é a imensa tristeza que acomete Carlitos, cujo pai está internado em estado muito grave há 45 dias. Ele já admitiu que chorou em alguns intervalos desde então, e o técnico Miguel Ángel Russo já cogitou mais de uma vez tirá-lo da equipe justamente por falta de condições emocionais. Tevez ficou muito abalado também pela morte do amigo Maradona. O luto pela perda do Diez ainda é pesado e persistente entre os mais próximos, e não há ninguém no Boca atual, jogador ou dirigente, que tenha sido tão ligado a ele como Carlitos.

Com esta soma de tristezas, não se descarta que Tevez contra o Racing comece entre os reservas, mediante uma nova conversa com o comandante xeneize até a partida de amanhã. Quem convive com o jogador – que ainda é capitão do Boca – relata que ele anda abatido, falando muito pouco e com a cabeça longe de qualquer concentração esportiva (nada mais natural neste estado de tamanha agonia).

Outra razão para Russo tirar o veterano e golpeado Tevez e colocar um atleta mais jovem e de cabeça mais fresca? A atuação da equipe na vitória por 2 a 1 de virada sobre o Independiente pela Copa Diego Maradona no último domingo.

O time atuou sem Tevez, poupado para o confronto contra o Racing, e rendeu melhor justamente no ataque. Soldano, autor do primeiro gol, com um feroz cabeceio, é o típico camisa 9 de área, algo que o time precisa e que Tevez nunca foi, nem em seus melhores momentos.

Entre os reservas de uma Bombonera sem público. Sendo este o ponto final da carreira de Tevez, nada mais triste, digno das letras mais amargas de Enrique Discépolo, o inigualável poeta do tango.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/tales-torraga/2020/12/22/luto-e-isolamento-como-a-aposentadoria-de-tevez-comove-a-argentina.htm