Juan Manuel Cerúndolo: o incrível campeão na contramão do tênis

Alexandre Cossenza

Alexandre Cossenza é bacharel em direito e largou os tribunais para abraçar o jornalismo. Passou por redações grandes, cobre tênis profissionalmente há oito anos e também escreve sobre futebol. Já bateu bola com Nadal e Federer e acredita que é possível apreciar ambos em medidas iguais. Contato: [email protected]

Colunista do UOL

01/03/2021 16h06

Ele tem 19 anos, um tênis de bolas altas – mas não só isso – e até cerca de dez dias atrás, jamais havia disputado sequer um qualifying de torneio ATP. Na verdade, o argentino Juan Manuel Cerúndolo só tinha no currículo 14 jogos em nível Challenger – e com um retrospecto modesto: apenas sete vitórias. Mas foi esse mesmo adolescente que encarou o torneio qualificatório do ATP 250 de Córdoba e, neste domingo, conquistou um título de forma tão inesperada quanto espetacular em seu próprio país.

Número 335 do mundo até ontem, Cerúndolo superou, de forma consecutiva, o compatriota Fermin Tenti, o peruano Juan Pablo Varillas, o mineiro João Menezes (estes três no qualifying), o paranaense Thiago Wild, o sérvio Miomir Kecmanovic (cabeça 3 do torneio), o cearense Thiago Monteiro (cabeça 7), o também argentino Federico Coria (irmão mais novo “daquele” Coria) e, na final, o espanhol Albert Ramos Viñolas por 6/0, 2/6 e 6/2.

Ao longo da semana, o tênis nada ortodoxo de Cerúndolo mostrou-se um enigma para todos rivais. Com paciência para longos pontos trocando bolas altas e fundas e variando com bolas agressivas ou curtinhas e boas subidas à rede, Juan Manuel jamais deixou um rival se sentir confortável em quadra.

Foi o caso de Thiago Monteiro, que encontrou muita dificuldade quando precisou rebater bolas altas em seu backhand e não conseguiu em momento algum ditar o ritmo da partida. O número 1 do Brasil, aliás, não conseguiu encontrar uma posição para trocar bolas com consistências no fundo de quadra – nem mais perto da linha de base nem no fundão, perto da “grade”.

“Coração quente, cérebro frio como uma geladeira”. Quem descreve Juan Manuel assim é seu pai, Alejandro “Toto” Cerúndolo, ex-profissional que chegou a #309 do mundo e agora vê seus dois filhos no top 200. O mais velho, Francisco, foi campeão do Challenger de Campinas no ano passado e hoje é o #137 do mundo. Juan, o mais novo, subiu para #181 com o título.

“É super inteligente. Jogamos Playstation juntos em uma equipe online e chamamos ele de ‘o computador'”, diz Federico Coria, em reportagem no site da ATP. O vídeo acima – uma compilação de belos pontos ao longo do torneio – é um bom exemplo de como o adolescente trabalha seus pontos.

Caso raro no circuito? Certamente. Em tempos de saques e golpes de fundo cada vez mais fortes, é raro ver, até no saibro, alguém trabalhando tanto – e de forma tão inteligente – seus pontos. Juan Manuel sabe bem disso: “Acredito que meu jogo vai contra o estilo moderno”, disse em Córdoba.

E vai mesmo, mas quem dirá que não é agradável ver alguém entendendo como se joga tênis e como derrotar adversários sem depender de um martelo Mjölnir? É, no mínimo, uma deliciosa variação ao habitual ritual de tortura física que nos acostumamos a ver na maioria dos jogos nos últimos anos.

Coisas que eu acho que acho:

– Juan Manuel foi um bom juvenil (foi #9 do mundo em 2018), mas, segundo seu pai, andava “preso” no ranking profissional por causa do ranking de transição e, depois, a pandemia. Era preciso fazer uma campanha grande pelo menos num Challenger. O título de Córdoba permitiu um belo salto de 154 posições no ranking.

– Tudo envolvido na conquista de Cerúndolo, um tenista “pensante” mas trabalhador acima de tudo, dá uma noção exata de como é dinâmico o circuito mundial. Do nada, surge um nome jogando bem no alto nível. Quem vence algo muito cedo e começa a se acreditar melhor do que realmente é acaba ficando para trás ou, no mínimo, perdendo tempo valioso. O que aconteceu em Córdoba deve ligar o alerta para quem tem talento, mas está estacionado – por qualquer que seja o motivo – como Thiago Wild.

– O título de Cerúndolo é um banquete para quem gosta de números. Comecemos por este: apenas quatro tenistas venceram torneios de nível ATP com ranking mais baixo que ele: Hewitt, Andújar, González e Haas.

– Desde 2001, a Argentina não tinha um campeão de ATP tão jovem.

Torne-se um apoiador do blog e tenha acesso a conteúdo exclusivo (posts, podcasts e newsletters semanais), grupo de bate-papo no Telegram e promoções imperdíveis.

Acompanhe o Saque e Voleio no Instagram.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/saque-e-voleio/2021/03/01/juan-manuel-cerundolo-o-incrivel-campeao-na-contramao-do-tenis.htm