Jovem que aprende com pornô pode assustar na hora do sexo, diz pesquisadora

Felipe Germano

Felipe Germano é jornalista que escreve sobre comportamento humano, saúde, tecnologia e cultura pop. Para encontrar as boas histórias, atravessa o planeta: visitou de clubes de swing e banheiros do sexo paulistanos à sets de cinema hollywoodianos. Já trabalhou nas redações da Jovem Pan, do site Elástica, na revista Época e na revista Superinteressante.

12/02/2021 04h00

“Ele achava que tava num filme pornô” é uma crítica em qualquer roda de amigos que já passou dos 20 e poucos anos. Geralmente nessa fase as fichas começam a cair. Você já transou o suficiente para perceber o que é ok e o que não. E fica fácil diferenciar quem está à vontade na cama, sabe do que gosta, de quem está ali para performar. Nessas horas se destacam os homens que tentam imitar britadeiras, mulheres que gemem sem prazer e todo tipo de cena que faz você se contorcer só de lembrar.

O culpado disso é fácil de encontrar. Chama-se pornografia, que não é uma entidade satânica que vai acabar com sua vida, mas que foi feita para que você tivesse um prazer rápido, momentâneo, e não aprendesse a dar prazer. Isso faz toda diferença. E ficou escancarado em uma nova pesquisa da Universidade de Boston.

De acordo com o estudo, 25% dos jovens têm no pornô a principal fonte de informação sobre o sexo. Os vídeos superam não só as aulas de educação sexual ou as conversas com os pais, mas também os próprios parceiros.

Para chegar a essa conclusão, cientistas se debruçaram sobre dados de pesquisas feitas até 2015 pela Universidade de Indiana. Os números destrincharam a vida sexual de 357 jovens adultos (entre 18 e 24 anos) e 324 adolescentes (14 a 17 anos). Foi quando algumas conexões começaram a ser feitas.

O grupo dos educados com pornô tendia a ser meninos e já na fase dos jovens adultos. Entre os mais jovens, só 8% afirmavam que tinha nos sites adultos a principal referência. A maioria aprendia com os pais e com os amigos. Quando esses não eram opções, as informações geralmente vinham de notícias ou de parceiros sexuais.

Em todos os casos, os meninos tendiam a se basear mais no pornô do que as garotas. Mesmo as mais velhas aprendem mais com as pessoas com quem transaram, do que com o que viam na pornografia —o que não se repetia entre os garotos.

Conversei com Emily Rothman, professora de ciências da saúde comunitária na Universidade de Boston, e responsável pela pesquisa. O papo, segue abaixo:

Que tipo de impacto pode vir dessa educação via pornografia?
A pornografia é criada para gerar dinheiro e refletir fantasias –não tem o objetivo de fornecer educação. Portanto, os jovens podem ver alguns atos sexuais comuns na pornografia e que parecem estar produzindo prazer, e pensar que deveriam tentar esses movimentos com um parceiro na vida real.

O problema é que sem negociar o consentimento, ou em alguns casos até com o consentimento (como no caso de enforcar), os atos sexuais podem prejudicar ou assustar as pessoas.

A maneira como gostamos de fazer sexo na vida real pode ser muito diferente do que os espectadores veem na tela quando os atores estão representando versões fantasiosas.

Para ter um bom sexo com um parceiro verdadeiro, é preciso comunicar-se, prestar atenção em como eles realmente se sentem e criar confiança e segurança.

Houve algo nos resultados que você achou especialmente interessante ou surpreendente?
Achamos interessante que os adolescentes mais jovens não listassem a pornografia como a fonte nº 1 de informações mais úteis sobre como fazer sexo. Em nossos dados, vimos que os adolescentes relatam ouvir os pais.

Por que isso aconteceu?
Nossos dados sugerem que quando os jovens estão morando com os pais, eles ainda estão ouvindo e prestando atenção ao que seus pais lhes dizem sobre sexo. A maioria dos adolescentes relatou que teve uma conversa útil com os pais sobre sexo no ano passado.

Em outras palavras, os pais devem saber que mesmo quando os filhos parecem ignorar, talvez até revirando os olhos ou dizendo que não querem falar sobre sexo… a verdade é que os adolescentes estão ouvindo. E essas conversas podem ser muito úteis, especialmente se os pais forem informados, gentis, positivos e os ajudarem a obter as informações que precisam.

Há alguma sugestão de como os pais, ou professores, devem agir para evitar que esse grupo mais jovem siga os passos dos jovens adultos?
Posso pensar em algumas coisas que podem ajudar. Primeiro, minha equipe tem o que chamamos de currículo de alfabetização em pornografia, que as pessoas podem aprender aqui [o site está em inglês, mas o Google Tradutor dá uma bela ajuda para quem não sabe a língua].

Eu também tenho uma palestra TED que pode ser encontrada em português [veja abaixo]:

E para quem já se educou com pornografia, há algo que pode ser feito para uma reeducação sexual?
Sim! Os jovens estão constantemente absorvendo novas informações, especialmente quando se trata de sexo. Colocar informações novas e corretas diante deles pode realmente ajudar. É por isso que inventamos um currículo de alfabetização pornográfica.

O estudo está focado nos EUA, mas você acredita que os resultados seriam semelhantes em outras partes do planeta?
Acho que seria útil repetir este estudo em outras nações. Eu suspeito que os resultados se generalizariam para outros países também.

Você tem alguma consideração final?
Acho que é possível celebrar o sexo e a sexualidade, e não julgar ou ser negativo sobre o sexo, ao mesmo tempo em que se preocupa com jovens recebendo a mensagem errada de alguma pornografia.

Da mesma forma, que posso gostar de filmes e programas de TV em geral, mas ter ressalvas sobre conteúdos muito violentos ou preocupantes. O mesmo se aplica à pornografia. Podemos concordar com a ideia de pornografia em geral e nos preocupar com certos tipos, certas plataformas e certos visualizadores.

Não é que toda pornografia seja ruim para todas as pessoas em todas as instâncias. Ao mesmo tempo, nem toda pornografia é inofensiva. Ambas as coisas podem ser verdadeiras.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/sexting/2021/02/12/porno-foi-feito-para-lucrar-nao-educar-afirma-pesquisadora-sobre-o-tema.htm