Isolados com celulares, cada vez mais somos reféns da solidão compartilhada

Alessandra Montini

Apaixonada por dados e pela arte de lecionar, a professora doutora Alessandra Montini tem muito orgulho de ter criado na FIA cinco laboratórios para as aulas de Big Data e Inteligência Artificial. Mestre em estatística aplicada pelo IME-USP e doutora pela FEA-USP, já ganhou mais de 60 prêmios de excelência acadêmica e possui mais de 20 anos de trajetória nas áreas de Data Mining, Big Data, IA e Analytics. Hoje é diretora do LABDATA-FIA, orienta alunos de mestrado e doutorado na FEA-USP, coordena grupos de pesquisa no CNPq e é parecerista da FAPESP.

24/01/2021 04h00

De acordo com Universidade Brigham Young nos Estados Unidos, a solidão mata mais pessoas do que a obesidade no mundo. Mas esse assunto parece até paradoxal em um mundo hiperconectado. Podemos falar com pessoas em vários países e cidades diferentes sem precisar sair de casa. Apenas com alguns toques no smartphone, somos levados a qualquer lugar por meio de mensagens de voz ou até mesmo chamada por vídeo.

Estamos em várias redes sociais e em cada uma delas temos centenas ou até milhares de seguidores, que curtem, compartilham e comentam as nossas ideias e fotos. Vivemos cercados de pessoas que conhecemos muito, outras que fizeram parte da nossa infância e se aproximaram agora e também daquelas que só ouvimos falar. Mesmo assim, é muito normal chegar ao final do dia, em meio a interação com tanta gente, e ainda nos sentirmos sozinhos.

A pandemia do celular.

Sem dúvida este é um problema que deve ser discutido com mais frequência nos próximos anos.

Rompemos uma interação sadia com o motorista do ônibus ou do táxi, com o vizinho, com o funcionário de uma agência bancária ou até mesmo com um atendente do supermercado e os substituímos por aplicativos que nos levam a fazer compras, consultar o clima, falar com o colega de trabalho e até movimentar a conta bancária.

Essas tarefas foram ainda mais intensificadas diante do distanciamento social e, sem dúvida, trará consequências preocupantes.

É claro que essas transformações tecnológicas são boas e trazem mais qualidade de vida em nosso dia a dia, mas também nos trazem uma falsa sensação de que estamos cercados por pessoas, sendo que o fato é que não estamos.

Quantas vezes você preferiu interagir com o seu celular do que com as pessoas ao seu redor?

Se você pensou nessa resposta, é porque está seguindo a tendência dessa solidão exacerbada.

O Fórum Econômico Mundial, em 2019, incluiu a solidão como um dos temas do Global Risk Report. E o cenário tende a piorar com o envelhecimento da população.

No Reino Unido, um estudo da British Red Cross apontou que mais de nove milhões de britânicos se sentem sozinhos. Já nos Estados Unidos, a companhia Cigna identificou que 61% dos americanos afirmaram sentir solidão, principalmente os mais jovens que já nasceram na era conectada.

O fato é que estamos vivendo uma solidão compartilhada e com a falsa impressão de que estamos tendo interações saudáveis, quando na verdade estamos nos desligando de conexões importantes para correr atrás de respostas rápidas.

Nos próximos anos, viveremos cenas de inteligência artificial e internet das coisas. E este não é um futuro tão distante!

O Japão, por exemplo, já é o centro de robôs cuidadores, com 310 mil das 1,4 milhão de indústrias operando globalmente. Lá, os desenhos e filmes das décadas de 60 e 70 já são uma realidade.

Por aqui, usamos a inteligência artificial e IoT de outra maneira, do qual os robôs aprendem a tomar decisões e automatizar tarefas do cotidiano.

Durante a pandemia, essas tecnologias foram intensificadas e exerceram diversos papéis. Mas não se assuste caso se sinta em um dos episódios do desenho Os Jetsons. Eles previram uma boa parte dos avanços tecnológicos até aqui.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/alessandra-montini/2021/01/24/sociedade-hiperconectada-sera-esta-uma-nova-epidemia.htm