Estas regras impediriam fake news e reduziriam o vício nas redes. Concorda?

Ricardo Cavallini

Autor de 6 livros que abordam tecnologia, negócios e comunicação. É professor da Singularity University, embaixador MIT Sloan Management Review Brasil e um dos apresentadores do Batalha Makers no Discovery Channel (Brasil e Latam). Criador do RUTE, o kit educacional eletrônico aberto, ecológico e mais acessível.

07/11/2020 04h00

Acho que todos concordamos que as redes não querem resolver problemas graves como fake news e vício, dado o fato que ambos geram mais interação, tempo de uso e, consequentemente, lucro.

Mas tirando essa obviedade, muita gente acredita que mesmo tecnicamente seria impossível resolver ou minimizar o problema. Eu discordo.

Estas empresas têm dezenas (algumas centenas) de bilhões em caixa, a maior quantidade e os melhores engenheiros, cientistas e programadores do mundo. Com menos poder de fogo, mandamos o homem para a Lua.

Para provar meu ponto, parei literalmente três horas do meu dia para criar sugestões de como minimizar esses problemas, a ponto de torná-los pouco relevantes.

Para deixar claro, não tenho nenhuma expectativa que as redes me escutem, estou apenas querendo provar um ponto. É apenas um exercício para mostrar que é possível criar uma série de regras simples para diminuir o vício e fake news.

Você nem precisa ler tudo, nem mesmo concordar com tudo. Mas se você concordar com uma ou outra regra já prova o meu ponto. Se sozinho fiz isso em pouco tempo, pode apostar que juntando seus funcionários mais inteligentes, as redes conseguiriam criar regras melhores e mais eficazes.

Fake news e desinformação

WhatsApp

  • Ajudaria a coibir redes de fake news limitar a uma mensagem por hora para pessoas que nunca te enviaram uma mensagem. Cadastrar empresas de varejo e serviço para sair da regra. Neste caso, as mensagens terão obrigatoriamente o CNPJ da empresa no envio da primeira mensagem.
  • Permitir que as pessoas possam configurar o app para não receber mensagens de quem não é contato e/ou de quem nunca se comunicou com você. Ajudaria na proteção a pessoas que tiveram número vazado e passaram a ser agredidas por redes ideológicas.
  • Algumas regras só fazem sentido em conjunto (como as numeradas abaixo). Elas deixariam parte da rede sem sigilo, um mal necessário graças ao tamanho do problema que precisamos resolver. Quer mandar algo sigiloso? Envie diretamente para a pessoa. Quer mandar memes? Crie grupos para isso. As regras abaixo não evitam a fake news em si, mas dão suporte para que a justiça possa condenar quem envia.
  1. Acabar com o forward individual (de pessoa para pessoa), o forward poderia ser enviado apenas para grupos.
  2. Proibir incluir pessoas em grupo, a entrada seria apenas via convite.
  3. Tirar limite de número de pessoas em um grupo. Sei que parece favorecer a fake news, mas para isso tem a regra “4”.
  4. Mensagens em grupo não serão criptografadas e serão armazenadas por 5 anos no servidor, para seu acesso ser viável pela justiça.
  5. Mensagens individuais (de pessoa para pessoa) continuam criptografadas, permitindo manter privacidade para quem deseja ou precisa.
  6. Acabar com o broadcast list (já existe opção do grupo para apenas o admin enviar mensagem)

Twitter

  • Criar um caminho para verificar e validar bots. Assim, serviços interessantes e empresas poderiam usar bots para criar soluções interessantes e úteis.
  • Para proibir os outros bots, acredito que os engenheiros da plataforma são mais do que capazes para identificar um bot. Existem muitas regras simples que podem ser implementadas para isso.
  • Mas caso não consigam identificar os bots, existe outra maneira de resolver. É mais radical, mas estes bots tornaram o ambiente fake, manipulado e extremamente tóxico. A solução seria:
  1. Liberar a verificação para todos os usuários (não obrigatório)
  2. Usuários não verificados seriam proibidos de fazer retuítes, taguear pessoas ou usar hashtags
  3. Qualquer pessoa (verificada ou não) poderá continuar anônima, seguir quem quiser e tuitar a vontade, mas sem taguear, retuítes e usar hashtags.

YouTube

  • Prover 5% do faturamento da empresa para combate à fake news e desinformação. Essa verba é extra ao custo interno de equipe, sendo integralmente destinado a serviços de checagem de fatos externa.
  • Essas regras seriam válidas para comunidades com mais de 1 milhão de usuários ou cujo faturamento ultrapasse R$ 100 milhões. Isso evitaria custos a novos competidores e ajudaria a fomentar a concorrência.

Serviços de checagem de fatos

  • Os serviços publicarão relatório detalhado de checagem de fatos.

Todas as redes

  • Semanalmente, avisar as pessoas quantos posts que elas compartilharam foram consideradas falsos na checagem de fatos.
  • Tirar relevância da pessoa também (quanto mais compartilhar fake, menos relevância no algoritmo seus posts terão).
  • Deixar a nota de relevância a mostra para a pessoa (apenas você saberá a sua nota).
  • Permitir que as pessoas reportem fake news e propaganda enganosa. Hoje as redes têm opções de denúncia muito limitadas.
  • Esta talvez seja a mais polêmica de todas. Como a onda anticiência tem feito a humanidade retroceder, definir temas que estejam crescendo na rede para serem deletados. 5G é o culpado contra covid? Terra plana? Vacina dá autismo? Negar o holocausto? Alguns desses assuntos (como terra plana) podem parecer inofensivos, mas a força das redes tem alimentado uma parte considerável da população para ser anticiência. Quer falar que a Terra é plana? Abre seu blog e boas. Quer usar a tendência das redes de espalhar isso? Não.

Google

  • Eliminar de suas rede de propaganda (AdSense) sites que divulguem fake news e discurso de ódio. Boa parte desses sites sobrevivem através de propaganda, alguns só existem para isso, nem mesmo acreditam no conteúdo que divulgam. Geram audiência criando notícias mentirosas, mas que chamam muita atenção. Para isso, podem usar agências independentes de checagem de fatos.

Portais, veículos de comunicação e fornecedores de “native ads” (como Taboola e Outbrain)

  • Responsabilizar estas empresas pela propaganda em formato de conteúdo (Native Ads e publipost) que distribuem em suas redes. Ainda que exista a indicação de propaganda, este conteúdo é divulgado no formato de notícia. Essa é outra medida polêmica e drástica, mas conforme tratei em outro texto, o abuso passou dos limites do aceitável. Além disso, é no mínimo contraditório que grandes veículos de comunicação e notícia critiquem tanto a fake news, mas permitam a mesma prática em suas redes para vender medicamentos milagrosos e outros produtos sem eficácia comprovada.

Portais e veículos de comunicação

  • Permitir comentários apenas de pessoas cadastradas.
  • Criar categorias de importância na luta contra a anticiência e permitir acesso destas informações fora do paywall. Alguns veículos fizeram isso com notícias relacionadas a covid-19. Foi um bom exemplo desta prática.

Google e Facebook

  • Obrigar anunciantes com verbas acima de R$ 1 milhão anual a usar lista de sites permitidos e proibir de usar a função de lista de sites proibidos. É possível criar listas que alcancem a maior parte da audiência sem muita complicação, alguns anunciantes inclusive já migraram para esta prática para evitar que suas campanhas caiam em sites que tragam prejuízo a marca.

Vício

WhatsApp

  • Criar opção de “ignorar” (além do “mute”) para os contatos e grupos. Além de não dar notificação de áudio, esta opção não fará nenhum tipo de notificação nem deixando o nome em negrito, nem botando ela em destaque, nem criando aviso no ícone do aplicativo. Criar uma opção para ver mensagens não lidas.
  • Permitir configurar preferências de notificação para ser avisado apenas pelos contatos favoritos. O Android já tem esta função, mas ela deveria estar dentro do aplicativo e com mais opções, como você poder criar grupos de favoritos (trabalho, família etc.)

iOS)

  • Permitir que as notificações sejam desligadas para todos que não estão na lista de favoritos, assim será possível desligar tudo, mas ainda assim ser avisado por ligações de chefes, filhos ou parceiros.

Apple (iOS) e Google (Android)

  • Colocar mais opções no controle de notificações. Além do clássico “alerta visual” e áudio, permitir controle de notificação no ícone.
  • Permitir que o usuário escolha quantas vezes ao dia quer ser notificado, por aplicativo.

Todas as redes

  • Não tirar relevância de posts que contenham link para fora da rede nem links que gerem saída da rede. No caso do stories.

É isso.

Como eu disse, este é apenas um exercício breve para provar um ponto.

E você, teria sugestões de como resolver ou minimizar os problemas? Bota nos comentários.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/ricardo-cavallini/2020/11/07/sim-e-possivel-impedir-o-fake-news-e-diminuir-o-vicio-nas-redes.htm