Empresa precisam fazer (muito) mais do que “apenas” vender produtos

Rodrigo V Cunha

Rodrigo V Cunha estuda movimentos contemporâneos de evolução da humanidade para interpretar e compartilhar conteúdos em diferentes formas: palestras, textos, apresentações, artigos e conversas. É fundador e CEO da ProfilePR, uma agência de relações públicas que conta histórias de marcas e pessoas que trabalham com sustentabilidade, impacto positivo e projetos regenerativos. Também é autor do livro Humanos de Negócios e foi o primeiro embaixador do TED no Brasil. Tem 44 anos, casado, três filhos e surfa desde os 12 anos.

18/12/2020 04h01

Lá pela metade dos anos 2000, ouvi falar de uma empresa que tinha um nome que por si só já chamava a atenção. Chamava Patagonia. Comecei a pesquisar e em 2009, em um intervalo de uma conferência em San Francisco (EUA), onde tinha ido para ouvir Mark Zuckerberg e afins falarem da promessa de uma internet livre para todos, resolvi dar um pulo numa loja da Patagonia.

Como surfista, fiquei admirando os pôsteres na parede e a infinidade de artigos e equipamentos finamente produzidos por aquela marca que já tinha começado a ficar meio mística para mim. Fiquei na loja, conversando com vendedores, tentando captar a essência da marca, de olho em possíveis deslizes para provar para mim mesmo que uma empresa do mundo capitalista não podia ser tão legal assim. O ceticismo de jornalista bem presente.

Eu estava errado: o fato era que todos os vendedores eram muito legais, pegavam onda, escalavam, pareciam curtir a vida e trabalhar naquela loja e empresa. Voltei para a conferência e parecia que havia estado em dois mundos diferentes. O mundo da ilusão digital e o mundo da vida real, autêntica.

Surfar primeiro, trabalhar depois

A Patagonia construiu sua história em cima de muita autenticidade. A biografia do fundador Yvon Chouinard é intitulada, em inglês, “Let my people go surfing” (na tradução literal, “Deixem me pessoal surfar”. O livro em português tem o título “Lições de um empresário rebelde”).

A lógica é que quando o mar está bom ou o tempo está promissor para uma escalada, as pessoas devem curtir a natureza. E só depois trabalhar. E isso dá certo? Se uma cultura destas é capaz de produzir uma empresa do tamanho da Patagonia XXX, sim, isso dá certo.

Quis saber mais. Este ano, no meio de janeiro, em meio a uma road trip com minha esposa e três filhos, marquei uma visita à sede da Patagonia, em Ventura, na California (EUA). Fui conversar com a responsável pela comunicação da empresa, para falar do projeto Humanos de Negócios (em inglês (Re)Humans).

Uma empresa precisa fazer mais do que “apenas” vender produtos: precisa agir e ser motor de transformação do mundo dos negócios

Num destes presentes da vida, fui brindado com uma apresentação ao Vincent Stanley, diretor de filosofia da marca. Sobrinho do fundador Yvon, ele trabalha há mais de 45 anos na Patagonia e é autor, com seu tio, do livro Responsible Company.

Desde então, tive a oportunidade de liderar dois eventos com Stanley para compartilhar os aprendizados com o mercado brasileiro e mais especificamente com Empresas B, que buscam resolver os principais desafios sociais e ambientais que o mundo enfrenta atualmente, redefinindo o papel delas na sociedade.

Aprendi algumas coisas que gostaria de compartilhar aqui para empresárias e empresários que já entenderam que o mundo mudou —e que uma empresa precisa fazer mais do que “apenas” vender produtos: precisa agir e ser motor de transformação do mundo dos negócios.

1. Uma empresa pode crescer e manter a cultura original
Esta é uma questão central para empresas que crescem e de uma hora para outra começam a colocar em risco os valores originais que a fizeram nascer e se desenvolver. Vincent diz que trabalha há 47 anos na mesma empresa e ainda que a empresa e o trabalho tenham mudado, a cultura permanece a mesma.

O dono é o mesmo. Os valores são os mesmos. E isso traz consistência para a cultura da empresa. “A cultura foi sempre forte no coração da empresa. Os clientes continuam sendo escaladores e surfistas que querem proteger a natureza”, diz. A Patagonia assumiu o papel de ativista ambiental e isso reforçou bastante sua cultura.

2. Tome riscos e acredite nos seus valores
Em certo momento, a liderança da Patagonia descobriu que os agrotóxicos usados nas plantações de algodão faziam mal para as pessoas e para o solo de um jeito que não imaginavam. Ficaram especialmente chocados ao descobriram que eram químicos adaptados de gases usados na Primeira Guerra Mundial. Não fazia o menor sentido usar algodão plantado nesta maneira numa empresa ambientalista.

Yvon disse, na época: “Não quero ter uma empresa de artigos esportivos se o algodão vai ser produzido desta forma”. O passo seguinte foi mudar toda a infraestrutura e só passar a comprar algodão orgânico, mesmo encarecendo o produto e tendo impacto nos resultados da empresa. Ou seja: não espere, seja a mudança.

3. Faça a mudança tangível e visível
Para deixar claro o impacto dos pesticidas no algodão, a empresa levava 30 funcionários de cada vez para conhecer as plantações com pesticidas. O cheiro químico era horrível e o solo quase morto (demora três anos para minhocas voltarem a habitar o solo depois de parar de usar pesticida).

Ao final do dia, os funcionários iam visitar uma plantação de algodão orgânico, sem cheirar a indústria e com o solo absolutamente vivo. Era impossível não entender o recado.

4. Não existe empresa “sustentável”: existe empresa responsável
Em tempos de demanda crescente por uma gestão consciente das empresas (“ESG”, no termo da moda), é cada vez mais comum a comunicação valorizar que as empresas são “sustentáveis”. Sobre isso, Vincent trouxe um ponto relevante: “quanto mais aprendemos, mais nos damos conta de que nada do que fazemos é sustentável. Não dizemos que somos sustentáveis, mas que estamos nos tornando responsáveis”.

Em 2011, a Patagonia publicou um anúncio famoso no New York Times, com o título: “Não compre este casaco”. Era o produto mais benigno que tinham para o meio ambiente, com 40% do conteúdo feito com polyester reciclado e que podia ser retornado para a empresa para ser enviado ao Japão, derretido e utilizado para fazer um casaco igual.

Ainda assim, produzia 23 vezes o seu peso em gases de efeito estufa e gerava lixo equivalente a dois terços do seu peso, além de utilizar em água o equivalente que uma vila precisa para um dia de subsistência.

“Tudo o que fazemos como uma indústria é extrativo. Tiramos mais do que devolvemos. Então, como chamar de sustentável? Responsável te dá a capacidade de ação para mudar o que precisa ser mudado”, diz Vincent.

5. É hora de regenerar
Recentemente, a Patagonia criou a Patagonia Provisions, uma empresa de alimentos. “A regeneração é mais importante do que sustentabilidade para nós. Tentamos que tudo o que fazemos no negócio de comida seja regenerativo. Para fazer algo que dê para o planeta mais do que tira, você precisa ser regenerativo”, diz Vincent.

Mas ele vai além. “Eu fico pensando no papel do CEO de uma empresa que vende água açucarada em garrafas de plástico. O que ele deve estar pensando sobre a empresa dele em 10 anos? Qual o meu futuro? Que tipo de negócios vamos criar e que negócios vamos apoiar? As crises climáticas, as queimadas no Brasil, Austrália, California, furacão em Porto Rico, a crise do covid-19?..é uma sequência de interrupções no status quo, para o qual não iremos mais voltar. É um estado constante de desequilíbrio que está se apresentando”, finaliza.

Bem, a pergunta que fica é: de que lado você quer estar? Do negócio pelo negócio, ou de uma mudança autêntica, honesta e profunda?

Se for pelo segundo, vale se inspirar em líderes como Yvon, Vincent e em outros que chamo de “Humanos de Negócios”, cujas histórias estão contadas no livro publicado pela Editora Voo.

Fonte: https://economia.uol.com.br/colunas/2020/12/18/empresas-precisam-ser-motor-de-transformacao-do-mundo-dos-negocios.htm