Dependemos de ciência e tecnologia, mas o Brasil ainda não sabe dar valor

Alessandra Montini

Apaixonada por dados e pela arte de lecionar, a professora doutora Alessandra Montini tem muito orgulho de ter criado na FIA cinco laboratórios para as aulas de Big Data e Inteligência Artificial. Mestre em estatística aplicada pelo IME-USP e doutora pela FEA-USP, já ganhou mais de 60 prêmios de excelência acadêmica e possui mais de 20 anos de trajetória nas áreas de Data Mining, Big Data, IA e Analytics. Hoje é diretora do LABDATA-FIA, orienta alunos de mestrado e doutorado na FEA-USP, coordena grupos de pesquisa no CNPq e é parecerista da FAPESP.

25/10/2020 04h00

Imagine um cenário de pandemia —até aqui não precisamos ir muito longe—, mas some a isso o fato de não ter tecnologias disponíveis. Diante disso, o que você faria? É possível ir ainda mais além. Pense se não tivéssemos cientistas e estudos. Como teríamos alguma esperança em um tratamento ou uma vacina?

Já deu para entender que a ciência e a tecnologia andam de mãos dadas para trazer respostas importantes e fazer com que a sociedade avance de maneira significativa. Sem elas, não teríamos tantos recursos que nos auxiliam no dia a dia e que são essenciais para a nossa sobrevivência. Por isso, não é possível tratá-las como um assunto secundário e sem importância.

Na verdade, essa afirmação não é só minha. Com a pandemia do internet e ainda conversar com nossas famílias e amigos por videoconferência, devemos isso a tecnologia.

Além disso, se esperamos imunizante, remédio ou até mesmo a cura para o vírus, a ciência tem papel fundamental nisso, já que a comunidade de cientistas espalhada pelo mundo está trabalhando dia e noite para entender o comportamento da doença no corpo humano e trazer um tratamento eficaz.

Ambas trazem benefícios significativos em nossa sociedade. São inúmeras as invenções, os tratamentos e as análises que a ciência e a tecnologia nos proporcionam para facilitar a vida da população. No entanto, estamos longe de valorizar a atividade científica e tecnológica, além de entender os benefícios que proporcionam para uma nação. No Brasil, há inúmeros projetos científicos com resultados importantes, mas que passam despercebidos.

Buscar conhecimento ainda é a melhor saída

Um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), em janeiro de 2019, mostra que:

  • 15,9% dos jovens acreditam que a ciência traz muitos riscos para a humanidade,
  • 54% consideram que os cientistas “exageram sobre os efeitos das mudanças climáticas” e
  • 40% concordam que “se a ciência não existisse, o dia a dia não mudaria muito”.

Uma pequena parcela dos entrevistados (apenas 6%) afirma ter visitado um museu ou centro de ciência nos últimos 12 meses, índice que é menor do que em pesquisas anteriores realizadas no Brasil, além de ser muito baixo se comparado a outros países. Contudo, os jovens afirmam que a baixa frequência não seria por falta de interesse e sim por dificuldade de acesso ou falta de tempo.

Além disso, 93% dos jovens não souberam dizer o nome de algum cientista brasileiro.

Esses resultados ressaltam a importância da ampliação da oferta de museus, parques ambientais ou centros de ciência pelo país e da divulgação destes ambientes entre os jovens.

Por isso, outubro passou a ser o Mês Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovações. A data, que agora será comemorada todos os anos, foi instituída por decreto Nº 10.497/2020 e tem como objetivo inspirar a família, sobretudo as crianças e os jovens, a participarem de atividades, programas e palestras sobre o tema.

Este é um passo importante para ampliar o conhecimento nessas áreas. No entanto, ainda é preciso fazer bem mais para despertar o interesse da sociedade. Não basta ter um mês dedicado a essas áreas tão importantes, enquanto o investimento para disseminar o conhecimento ainda é escasso e vem sendo cortado ano a ano.

De acordo com o relatório Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2018, o Brasil investiu 1,26% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (PD) em 2017, valor abaixo de Coreia do Sul (4,55%), Japão (3,21%), Alemanha (3%), Estados Unidos (2,79%) e China (2,15%) — países que lideram a corrida tecnológica.

Ainda há muito a se fazer

Se queremos um futuro diferente, precisamos mudar esse cenário que se arrasta ladeira abaixo há anos. A pandemia deixou claro que sem ciência e tecnologia, nenhum país consegue se manter e buscar respostas rápidas para lidar com qualquer problema.

Precisamos entender que nem a ciência e muito menos a tecnologia nos levam a uma crise que justifique cortes e falta de investimento. Pelo contrário, são elas que trazem soluções e devem ser encaradas dessa maneira por qualquer governo.

Se o Brasil pretende elevar o padrão de vida da população, trazer estratégias para o pós-pandemia, consolidar uma economia moderna e participar com plenitude em um mundo cada vez mais globalizado, qualquer um concordará que não dá para minimizar essas áreas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/alessandra-montini/2020/10/25/ciencia-e-tecnologia-duas-areas-que-precisam-ser-priorizadas-no-brasil.htm