Dar empréstimo a pequeno negócio não compensa falta do auxílio emergencial

Paulo Ribeiro e Felipe Tomkowski

sobre os colunistas

Pesquisador no Insper e professor da FGV-SP

Doutorando em economia no Insper

12/12/2020 04h00

O governo estuda propor uma linha de microcrédito em substituição ao programa de auxílio emergencial instaurado durante a pandemia. De fato, a demanda por crédito pela população de baixa renda aumentou nos últimos meses. Ao menos parte desse aumento de demanda é decorrente da redução da parcela do auxílio emergencial, de 600 para 300 reais.

O Norte e Nordeste concentram mais pedidos de empréstimo. São regiões onde o peso do auxílio emergencial sobre a renda média da população é mais significativo. Nesses locais também observamos maior crescimento de registro de microempreendedores individuais (MEIs). A associação entre o empreendedorismo e o auxílio emergencial, portanto, parece clara ao governo.

No país como um todo, 5 milhões de MEIs tiveram acesso ao auxílio emergencial. Isso corresponde a quase metade do total de microempreendedores. A categoria vem crescendo durante a atual crise. Do final de fevereiro até o começo de dezembro, foram 2 milhões de adesões ao Simples Nacional, sendo 1,5 milhões de novos MEIs que se formalizaram ou iniciaram um negócio durante a pandemia.

Do ponto de vista de crédito, o segmento dos MEIs também se diferencia dos demais. O crescimento de 38% em 2020 do crédito aos microempreendimentos é o mais alto dentre todas as classificações de porte de pessoa jurídica.

Contudo, o nível de alavancagem das microempresas e das famílias de baixa renda causa preocupação. O endividamento das famílias está no maior patamar desde o início da série histórica em 2005. O grau de endividamento dos mais pobres deve levar a uma alta inadimplência do crédito direcionado a esse público. Até o momento, a inadimplência está baixa, o que parece ser consequência dos incentivos do governo à renegociação de crédito durante o auge da pandemia e ao prazo de carência dos empréstimos direcionados.

Uma parcela dos recursos do auxílio emergencial foi utilizada pelos mais pobres para reduzir dívida. Porém, os dados de inadimplência do Simples Nacional mostram que os microempreendedores não utilizaram esses valores para regularizar sua situação tributária. Apesar de todos os estados apresentarem uma queda na inadimplência durante a pandemia, estados mais beneficiados pelo auxílio emergencial não tiveram maiores reduções no atraso de pagamento de impostos.”

Logo, apostar que o microcrédito voltado ao empreendedorismo será o instrumento de substituição do auxílio emergencial (ou qualquer outro programa de renda) é um salto grande demais. A literatura econômica mostra que a eficácia do microcrédito em aumentar a renda dos microempreendedores está condicionada a fatores muito específicos.

Há evidências de que fornecer um período de carência para o pagamento inicial das parcelas aumenta lucros e número de funcionários, além de reduzir a probabilidade de falência do pequeno negócio. Isso acontece porque a provisão de um período de carência permite ao microempreendedor fazer investimentos mais arrojados, com ganhos potencialmente maiores. Incorporar uma carência na regulamentação do já existente programa de microcrédito produtivo orientado poderia ser uma via simples e efetiva de se promover o emprego e a melhora da condição de vida deste público-alvo, sem causar ônus fiscal ao Estado.

A experiência prévia do microempreendedor também é um aspecto determinante para o sucesso do microcrédito, como mostrou um estudo de 2017 conduzido por Abhijit Banerjee, prêmio Nobel em Economia em 2019. Portanto, é preciso cautela ao aumentar o crédito para um público com níveis altos de endividamento, e que possivelmente carece de experiência e técnica para traduzir mais recursos em maior renda.

Não é o receio de um aumento na pejotização que deveria ser o motivo de repensar o microcrédito aos beneficiários do auxílio. A crítica de que o programa de microcrédito alternativo ao auxílio emergencial pode incentivar a pejotização não cabe, até porque o auxílio emergencial foi direcionado aos informais e não a quem tem um emprego formal. É melhor para o indivíduo aderir à formalidade e gozar dos benefícios previdenciários e de proteção social do que voltar ao status de invisível, à mercê da próxima crise. Estar formalizado foi um importante diferencial para empreendedores na pandemia, uma vez que facilitou o acesso às diversas linhas de crédito direcionado.

As condições econômicas em 2021 serão muito diferentes das vivenciadas esse ano. O país irá entrar em uma corrida pela vacina, acelerando o retorno à normalidade e reduzindo a necessidade de intervenções do Estado. O governo deveria focar em aprimorar os programas existentes de microcrédito em uma agenda paralela ao debate sobre renda básica. Assumir que todo indivíduo tem pretensão de empreender é um erro. Não há espaço fiscal nem evidência favorável para sustentar o mito do empreendedorismo generalizado como solução da pobreza e do desemprego na sociedade.

Fonte: https://economia.uol.com.br/colunas/2020/12/12/dar-emprestimo-a-pequeno-negocio-nao-resolve-falta-do-auxilio-emergencial.htm