D’Ale é o principal gringo e está no top 3 da história do Inter

Tinga

Tinga é um ex-jogador de futebol. Como profissional defendeu as cores do Grêmio, Internacional, Cruzeiro e da seleção brasileira. Atuou ainda em clubes da Alemanha, Portugal e Japão. Foi campeão da Libertadores, Recopa Sul-Americana, do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Hoje, Tinga é empresário e percorre o país fazendo palestras sobre empreendedorismo, mostrando como se faz “Gestão além da Planilha”.

03/12/2020 04h00

Depois de 12 anos, o adeus já tem data marcada para acontecer. Na semana passada, Andrés D’Alessandro anunciou que não seguirá no Beira-Rio para a próxima temporada, mas a história do craque argentino no Internacional é eterna. Ele estará sempre no coração de todos os colorados.

Tive o prazer de conviver diariamente com o Cabeça, como eu costumo o chamar, por dois anos e meio. O Inter estava na parte de cima da gangorra do Copa Libertadores de 2010.

Devido a sua habilidade, profissionalismo e inteligência por entender a cultura Gre-Nal, e principalmente a do lado vermelho do Rio Grande do Sul, aponto o D’Ale como o estrangeiro mais importante da história colorada. E mais: o coloco entre os três maiores jogadores destes 111 anos de Sport Club Internacional.

O D’Alessandro e o Inter têm um caso especial no futebol nacional. Nos meus 42 anos, nunca havia visto um estrangeiro se conectar tanto com um clube brasileiro. Ninguém conseguiu transmitir e vivenciar um clube brasileiro na pele como ele. É raro, ou quase impossível, vermos um gringo ficar mais de uma década em uma equipe em uma época em que o atleta é cobrado e passa por processos de fritura ano a ano.

Por isso reforço que o D’Ale é o maior ídolo da década e está entre os três maiores jogadores da história do Colorado, no mesmo patamar de Fernandão e Paulo Roberto Falcão.

Cada geração enfrentou dificuldades diferentes. Na época do Falcão, a briga era muito mais difícil com o centro do país, pois quase tudo estava virado para o eixo Rio-São Paulo. Mesmo assim, o Inter conseguiu o que nenhum outro time repetiu até hoje: ser campeão brasileiro invicto em 1979.

Depois veio a geração do Fernandão, que deixou para trás o momento em que o clube que só ganhava Gauchões e transformou o Colorado em campeão sul-americano e do mundo. Na sequência, veio o D’Ale para manter a competitividade e levar a equipe ao bi da América.

Acho muito legal ter estes símbolos de gerações. Uns falam que os avós viram os tempos áureos de Falcão, Batista, Carpegiani, Caçapava, Escurinho e Figueroa. Outros dizem que os pais assistiram ao momento de glória com o Fernandão e que, agora, os filhos tiveram alegrias com o D`Alessandro. Isto tudo é muito importante porque forma a história centenária de um clube, o D’Ale está inserido neste contexto com um dos protagonistas.

Todos sabem que ele é torcedor de infância do River Plate. Mas hoje, quando falamos de D’Alessandro, o que nos vem na mente é o Internacional pela garra que sempre defendeu o clube. Imagino que isto também ocorra na Argentina. Este mérito precisa ser exaltado, pois é algo impactante.

Acredito que há três níveis de jogadores: normais, diferenciados e os extraterrestres — como o Neymar, Romário e Ronaldinho Gaúcho, que fazem coisas que não sabemos como conseguem. Eu era um jogador normal, mas o D’Ale está entre os diferenciados.

A coragem do D’Ale dentro de campo sempre me chamou muito a atenção. Como eu jogava de volante e ele de armador, atuávamos lado a lado no meio-campo. Não é todo craque que tem a bravura de atuar em qualquer faixa do campo, pois alguns preferem evitar a bola por não se sentirem confiantes por se sentirem em uma zona de risco. Mas eu sempre vi o D’Alessandro se apresentar, independentemente de o jogo ser grande ou não. Nenhum fato o abala, uma vez que sempre se apresenta para o jogo.

Por causa desta sua determinação e gana, o D’Ale desembarcou no Beira-Rio já sabendo da história do Inter, que já era campeão mundial em 2006. Estava ciente que havia uma geração que tinha conquistado títulos importantes, que contava com Fernandão, Índio, Clemer, Bolívar, Alex, Edinho e eu, entre outros. Ele aprendeu muito com este grupo, que foi se desfazendo com transferência e aposentarias dos atletas. Por ser talentoso e astuto, foi assumindo o protagonismo naturalmente e criando os meios de liderar a equipe, além de ganhar o carinho e apoio do torcedor colorado.

Ele conseguiu incorporar um novo ciclo no Gre-Nal, que é o maior clássico do futebol brasileiro. Digo isso com propriedade porque vivenciei os dois lados. O Gre-Nal de domingo tem a capacidade de mudar o ambiente de todos na segunda-feira. O D’Ale soube entender como poucos o que cerca este clássico, tanto que estreou no Colorado justamente diante do maior rival, em agosto de 2008. Em uma época em que havia muito respeito entre os lados, trouxe a provação para dentro do gramado ao desfilar com o caixão gremista ao fim de uma vitória colorada. Isso alimentou e apimentou ainda mais a rivalidade, o que faz parte do entretenimento.

Foi muito questionado se era o momento ideal ou não de ter anunciado a sua saída do Beira-Rio. Eu não gosto nem costumo abordar sobre o que foi acordado. Não sei como ele está sendo tratado dentro do clube e o que foi combinado com a diretoria. Mas para um jogador chegar a fazer este tipo de anúncio cerca de um mês antes do fim do contrato e às vésperas de um jogo importante, como nesta disputa com o Boca Juniors pela vaga nas quartas de final da Libertadores, não é normal.

Para chegar a essa decisão, com certeza há algo que o incomoda. Vivenciei situações como esta em minha carreira e sei que não é algo natural. Quando falta lealdade de alguma forma, uma parte da relação irá explanar de forma mais ríspida. Ele foi um ser humano e demonstrou os seus sentimentos como sempre fez. Mas não cabe nem a ninguém julgar.

Depois de 12 anos, de 500 jogos e 95 gols com a camisa colorada — são 515 ao todo, atrás apenas de Valdomiro (803) e Bibiano Pontes (523) —, faltam poucos dias para o adeus. O colorado que viu em D’Alessandro a representatividade do torcedor em campo já deve estar com o nó na garganta.

Toda esta dedicação merece, quando possível, um jogo de despedida com o Beira-Rio lotado, e não um adeus sem a presença da massa colorada em sua casa neste momento de pandemia. Esta história não pode ser selada de forma fria. É preciso ter uma despedida digna, e o futebol agradece.

*Com colaboração de Augusto Zaupa

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/tinga/2020/12/03/dale-e-o-principal-gringo-e-esta-no-top-3-da-historia-do-inter.htm