Como a economia do Egito Antigo permitiu a construção das caras pirâmides

Andreas Winkler

The Conversation*

31/01/2021 09h08

À sombra das Pirâmides de Gizé, no Egito, encontram-se as tumbas de cortesãos e altos funcionários dos faraós, cujos corpos estão sepultados no interior dessas monumentais estruturas.

Estes homens e mulheres foram responsáveis pela construção das pirâmides: arquitetos, militares, sacerdotes e funcionários de alto escalão do governo.

Estes últimos administravam o país e se encarregavam de garantir que as finanças estivessem saudáveis o suficiente para construir essas monumentais tumbas reais, que eles esperavam durar por toda eternidade.

No Império Antigo, período que durou cerca de 500 anos (2686-2181 a.C.), a economia era principalmente agrícola e fortemente dependente do Rio Nilo.

O rio inundava os campos ao longo de suas margens tornando a terra fértil. Também permitia o transporte de mercadorias por todo o país.

Pesquisas sugerem que a maioria dos solos cultivados fazia parte de grandes propriedades que estavam sob controle da coroa, de vários templos e de proprietários de terra abastados, que eram geralmente funcionários reais.

Essas terras não devem ser consideradas unidades completamente separadas, mas sim interligadas. Muitas vezes, faziam parte da mesma rede de distribuição, pertenciam em última análise ao rei e, até certo ponto, dependiam da administração central do Estado.

Esse sistema também podia envolver tanto redes formais e informais de redistribuição e favores. A sociedade desse período foi comparada ao sistema feudal, como o que existia na Europa medieval.

Sistema tributário complexo

Em geral, as propriedades agrícolas, junto com as cidades, eram as unidades básicas de organização econômica e social.

Pesquisas sugerem que a coroa não cobrava impostos de pessoa física, como de agricultores, já que o governo não parece ter sido capaz de gerenciar os pormenores de tal tarefa em todo o país.

Em vez disso, cobrava dos chefes dessas propriedades, que eram responsáveis por entregar pessoalmente o tributo aos cofres da coroa e por garantir que as terras que supervisionavam gerasse o montante esperado. Do contrário, podiam ser penalizados com castigos físicos.

Para calcular o rendimento e, consequentemente, o valor do imposto devido, a coroa realizava censos periódicos. Eles não contavam o número de indivíduos, mas sim os bens sujeitos à tributação, como gado, ovelhas e cabras.

Também está claro que outros produtos eram recolhidos, como tecidos e outros tipos de trabalhos manuais.

Os impostos arrecadados pelo Estado eram guardados em celeiros e tesourarias e, posteriormente, redistribuídos às propriedades ou utilizados em projetos de construção de diversos tipos, como uma tumba real ou na manutenção de seu culto mortuário.

Em Abusir, nas imediações do Cairo, foram encontradas evidências de como esse tipo de culto mortuário real era realizado.

Os textos encontrados permitiram aos historiadores saber como era o cotidiano dos sacerdotes e entender como o culto ao falecido rei estava relacionado com a administração real e com as várias propriedades pertencentes aos templos.

Operação harmoniosa

Os chefes das propriedades eram ricos, mas trabalhavam para conseguir sua fortuna. Eram responsáveis por garantir que suas terras funcionassem sem problemas e que seus funcionários —que trabalhavam sob a “corveia real” ou “servidão real”— recebessem comida, roupas e abrigo.

Nas cidades da província de Gizé, eles recebiam carne, peixe e cerveja de alta qualidade. Essa pode ter sido uma das vantagens de fazer parte da força de trabalho da corveia, cujos trabalhadores provenientes de propriedades agrícolas de todo o país, eram convocados para a construção de obras monumentais reais.

Uma inscrição de Weni, juiz e comandante militar de Abidos, no Alto Egito, indica que os soldados foram recrutados a partir do mesmo grupo que os trabalhadores da corveia.

Eles participavam de várias expedições patrocinadas pelo Estado a terras ricas em minerais que faziam fronteira com o Egito Antigo.

Matérias-primas como cobre e madeira de lei (necessária para os projetos de construção de grande porte) eram levadas para o Egito. Assim como itens de luxo, incluindo animais exóticos, plantas e indivíduos —claramente escravos— para a diversão da corte.

Em Wadi al Jarf, que serviu como porto durante o Império Antigo, na costa do Mar Vermelho, foram encontrados documentos em papiro do reinado do faraó Quéops.

Esses textos contêm os registros de um capitão chamado Merer, que reporta sua atividade de transporte de homens e mercadorias para dentro e para fora do Egito.

Os documentos também revelam como ele e seus 40 homens participaram das obras de construção da Grande Pirâmide de Gizé, carregando pedras das pedreiras para o canteiro de obras da pirâmide.

A hipótese é que esses projetos refinaram o aparato administrativo e impulsionaram a economia egípcia.

Merer, assim como os funcionários das propriedades agrícolas, trabalhava para o departamento de construção real, que era responsável por todas as obras importantes no país e provavelmente também por erguer as Pirâmides de Gizé e de Sakkara, ao sul.

A força de trabalho egípcia —seja um administrador real ou um operário que carregava pedras no canteiro de obras— prestava serviço à coroa.

A coroa, por sua vez, retribuía o trabalho redistribuindo alimentos e outros produtos básicos aos chefes, que o faziam circular mais abaixo na escala social.

Mas somente quem estava nas mais altas hierarquias podia ser recompensado com um culto funerário patrocinado pelo Estado próximo à tumba do rei.

*Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas “The Conversation” e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.

Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2021/01/31/egito-piramides.htm