China leva termelétricas a carvão para as Novas Rotas da Seda

10/12/2020 06h40

Pequim, 10 dez 2020 (AFP) – O presidente Xi Jinping prometeu: a China será neutra em carbono até 2060. Mas ao mesmo tempo, o principal emissor de gases estufa do planeta multiplica seus projetos de termelétricas a carvão no exterior, ao longo de seu projeto faraônico de Novas Rotas da Seda.

Enquanto se aproxima o quinto aniversário do Acordo de Paris, que visa a limitar “bem abaixo dos 2 graus” Celsius o aquecimento do planeta, o presidente chinês arrancou elogios no fim de setembro, ao anunciar que seu país começará a reduzir suas emissões de CO2 “antes de 2030”.

Um objetivo obstaculizado, no entanto, da Indonésia ao Zimbábue, pelos bilhões de iuanes que Pequim investe nas usinas termelétricas a carvão no contexto de seu projeto de infraestrutura das Novas Rotas da Seda, lançado com mais de 130 países.

A contradição não escapou ao escrutínio de militantes ambientalistas, que revelam que a China é o primeiro investidor mundial de usinas a carvão, fonte de energia na origem de 40% das emissões mundiais de CO2.

“Estas novas usinas, que poderão funcionar por muitos anos para além de 2030, são incompatíveis com os esforços de combate ao aquecimento global”, avalia Christine Shearer, da associação Global Energy Monitor.

Empresas chinesas constroem atualmente pelo mundo termelétricas a carvão com uma capacidade total de 19,6 gigawatts (GW), com um orçamento total próximo de 21 bilhões de euros (cerca de US$ 25 bilhões), segundo o Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston – o suficiente para abastecer com eletricidade 6 milhões de lares.

Entre seus projetos estão a termelétrica de Sengwa, no Zimbábue, uma das maiores da África, e pelo menos oito usinas no Paquistão.

Além destas usinas em construção, projetos com uma capacidade total de 56 GW estão no papel, todos em países integrantes das Rotas da Seda, para os quais o futuro energético estará ligado ao carvão.

No total, estas usinas emitirão na atmosfera 115 milhões de toneladas de CO2 ao ano.

No entanto, “o consumo do carvão destinado à produção de eletricidade deve diminuir de 50% a 75% até 2030 para alcançar a meta” do Acordo de Paris, lembra Shearer.

– Armadilha da dívida? -A China detém a quarta reserva mundial de hulha (carvão mineral), estimada em 96 bilhões de toneladas. Daí o incentivo a empresas chinesas oferecerem seus serviços em países carentes de energia em Ásia, África e América Latina.

“O financiamento de usinas costuma vir acompanhado de contratos de equipamentos ou engenharia para as empresas chinesas”, destaca Lauri Myllyvirta, especialista em China do Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo (CREA), baseado em Helsinque.

“É uma forma de abrir os mercados às empresas e aos serviços dos quais a própria China precisa cada vez menos”, reforça.

A justificativa econômica de certos projetos parece, no entanto, duvidosa, sobretudo na Indonésia, principal destino dos investimentos chineses no setor.

O país constrói quatro termelétricas na ilha de Java – onde 40% da energia produzida não é utilizada, afirma Didit Wicaksono, do Greenpeace.

O governo indonésio se comprometeu, no entanto, a reembolsar os investimentos chineses ao longo de décadas, sejam quais forem as demandas energéticas do país, inquieta-se Mamit Setiawan, da organização Energy Watch, em Jacarta.

O projeto das Novas Rotas da Seda, estimado no total em 1 trilhão de dólares, é frequentemente acusado de ser um “armadilha da dívida” pelos países destinatários dos investimentos de Pequim.

– Atrasos e cancelamentos -Muitos projetos foram, de fato, interrompidos: em junho de 2019, a justiça do Quênia bloqueou o projeto de uma usina de 2 bilhões de dólares em Lamu, alegando lacunas em um estudo de impacto ambiental.

Um pouco antes, o Egito paralisou um projeto de 6,6 GW em Hamrawein, que deveria se tornar a segunda termelétrica a carvão do mundo.

Desde então, a pandemia do novo coronavírus e suas graves consequências econômicas levaram alguns países a rever suas prioridades.

Assim, Bangladesh revisa 90% de seus projetos a carvão desde que o FMI reduziu a previsão de crescimento do país de 7% para 2%, anunciou em agosto o ministro da Energia bengalês, Nasrul Hamid.

Em todo o mundo, “para cada projeto de usina a carvão lançado no contexto das rotas da seda, cinco foram desacelerados ou diretamente cancelados”, afirma Myllyvirta.

Mas os bancos chineses de desenvolvimento, que desde o ano 2000 não dedicam às energias renováveis mais de 2,3% de seus créditos ao setor energético no exterior, não diminuíram o financiamento às usinas a carvão.

Ao final, os países destinatários correm o risco de ficarem presos na armadilha do carvão, precisamente quando as energias solar e eólica se tornam mais baratas.

O dinheiro investido no carvão “reduz os esforços dos países em desenvolvimento para passar às energias limpas”, lamenta Li Shuo, do Greenpeace China, sob o risco de “fazer descarrilar o Acordo de Paris”.

prw/apj/bar/sbr/mvv

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/afp/2020/12/10/china-leva-termeletricas-a-carvao-para-as-novas-rotas-da-seda.htm