Borrell: “Trump nos despertou de um certo sonambulismo”

17/12/2020 15h48

Bruxelas/Madri, 17 dez (EFE).- O alto comissário para Relações Exteriores e Política de Defesa da União Europeia (UE), Josep Borrell, considera que o surgimento do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no cenário internacional, quatro anos atrás, fez com que o bloco se desse conta da grande dependência dos EUA e que isso favoreceu uma busca por maior autonomia.

“Trump nos despertou de um certo sonambulismo estratégico. Nós, europeus, ao fim da Segunda Guerra Mundial, nos acostumamos a viver sob o guarda-chuva protetor dos Estados Unidos, e muitos países estão cômodos assim. Alguns acreditam, com razão, que devem sua liberdade aos Estados Unidos, que ganharam a Guerra Fria”, afirmou Borrell em entrevista concedida por teleconferência à presidente da Agência Efe, Gabriela Cañas.

Essas cômoda relação entre Bruxelas e Washington, na qual os europeus descarregavam nos americanos grande parte do peso militar global, através da aliança militar do Atlântico Norte (Otan), foi pelos ares com Trump, que com uma linguagem “às vezes muito dura”, indicou à Europa que era preciso assumir sua “parte de responsabilidade em questões de segurança e defesa internacional”.

“Trump nos disse: ‘olha, vou fechar o guarda-chuva, podem ir acordando’. Isso nos criou um certo despertar e uma tomada de consciência da nossa dependência”, afirmou Borrell, que também é vice-presidente da Comissão Europeia.

GASTAR MELHOR.

O coordenador a política exterior da UE, que se reconhece também no papel de “muito incipiente ministro europeu de Defesa”, acredita que a primeira tarefa a Europa passa por harmonizar e coordenar os 27 orçamentos militares e a indústria no setor.

“Antes de gastar mais, é preciso gastar melhor. Os Estados Unidos têm apenas um tipo de tanque, um. Os europeus, eu acho, têm dez. A mesma coisa acontece com aviões de combate, com navios. Tudo isso custa muito dinheiro”, diz Borrell.

O alto comissário para Relações Exteriores e Política de Defesa da União Europeia ainda garante que “os Estados Unidos seriam os primeiros a se beneficiar de uma Europa mais forte, mais unida e mais capaz”.

JOE BIDEN.

O vice-presidente do bloco comunitário afirmou enxergar grandes oportunidades para a agenda diplomática conjunta do futuro governo do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, que teve vitória no pleito de 3 de novembro ratificado pelo Colégio Eleitoral do país, na última segunda-feira.

“O ruim é que agora nós podemos voltar a dormir”, admitiu o político espanhol, que reiterou a necessidade de que a União Europeia conquiste mais autonomia.

“A Europa tem que ser capaz de agir conta própria, sozinha, quando for necessário, e com outros quando for possível”, comentou Borrell à Agência Efe.

INDEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA.

“Muitos já quiseram ter a capacidade tecnológica que nós, europeus, temos. Fomos e somos líderes tecnológicos, e graças a isso temos a capacidade de ditar as normas”, declarou o vice-presidente da UE, ao ser questionado sobre o atraso do bloco em um campo que os Estados Unidos se destacam, e a China se fortalece.

No entanto, Borrell reconhece que a União Europeia deixou de ser líder em tecnologia “em algumas áreas, como ficou evidenciado pela escassez de medicamentos básicos ou máscaras, em determinados momentos da pandemia da Covid-19, porque ambos são produzidos, majoritariamente, na China e na Índia”.

“Se aconteceu com essa simples máscara, acontecerá algo muito mais crítico com as infraestruturas de comunicação, que invadem nossa vida. O problema pode ser muito maior. Isso não se resolveria tão rápido, e as consequências seriam muito graves”, explicou.

Engenheiro aeronáutico de formação, Borrell destaca que “a autonomia estratégica começa com a autonomia tecnológica”.

“Quase tudo na vida começa com tecnologia. O poder militar é baseado na tecnologia, sempre foi assim: desde o arco e flecha, a armadura, o escudo, até o motor a vapor. A tecnologia muda o mundo e compartilha o poder”, afirmou.

“A Europa deve, sem dúvida, continuar a trabalhar e compensar o tempo perdido em alguns setores tecnológicos”, complementou o espanhol. EFE

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Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/efe/2020/12/17/borrell-trump-nos-despertou-de-um-certo-sonambulismo.htm