Athletic Bilbao mostra que é possível resistir e, vez ou outra, ser feliz

Julio Gomes

Julio Gomes é jornalista esportivo desde que nasceu. Mas ganha para isso desde 1998, quando começou a carreira no UOL, onde foi editor de Esporte e trabalhou até 2003. Viveu por mais de 5 anos na Europa – a maior parte do tempo em Madrid, mas também em Londres, Paris e Lisboa. Neste período, estudou, foi correspondente da TV e Rádio Bandeirantes e comentarista do Canal+ espanhol, entre outras publicações europeias. Após a volta para a terrinha natal, foi editor-chefe de mídias digitais e comentarista da ESPN e também editor-chefe da BBC Brasil. Já cobriu cinco Copas do Mundo e, desde 2013, está de volta à primeira das casas.

18/01/2021 04h00

O Athletic Bilbao é uma espécie de aldeia gaulesa do futebol europeu. É a resistência. Como pode, na era global do futebol, um clube insistir em ter apenas jogadores nascidos ou de origem na região?

Para muitos, que o Athletic alterasse sua regra mais conhecida era uma questão de “quando”, não de “se”. O clube até flexibilizou alguma coisa, mas essencialmente só bascos vestem a camisa de listras brancas e vermelhas.

O Athletic é um clube enorme. Rico, de uma região próspera, com estádio novo e moderno, com torcida que lota estádio e que é atuante, presente, apaixonada. Talvez mais atuante, mais presente e mais apaixonada do que qualquer outra, justamente pela identificação monstruosa com o time. É uma simbiose perfeita.

Até os anos 80, a relação de forças na Espanha era diferente. Não era tão simples dizer que o Athletic era “menor” do que Barcelona ou Atlético de Madrid, por exemplo. A partir dos anos 90, com mercado comum europeu e lei Bosman, o futebol muda completamente. Cria-se um abismo entre Europa e resto do mundo e outro se abre dentro da própria Europa. Alguns clubes grandes se agigantam, outros se apequenam, alguns pequenos viram médios, alguns médios e pequenos desaparecem.

A escolha do Athletic, um dos três clubes que nunca foram rebaixados na Espanha, foi manter-se fiel a suas raízes e tradições.

Aqui no Brasil, temos uma cultura triste. Só a vitória importa. Não há sentido algum em jogar sem a obsessão da vitória – e é por isso que lida-se tão mal com as derrotas. No Athletic Bilbao, há outras coisas que importam – e que importam mais do que resultados.

Quando o clube conquista a Supercopa da Espanha do jeito que conquistou na semana passada, vencendo Real Madrid e Barcelona, o gosto é diferente. É muito mais saboroso, justamente pela compreensão da dificuldade e pela cumplicidade entre os envolvidos.

A Supercopa não é Champions League e nem Liga espanhola. Mas é o que dá para ganhar, oras! O título anterior havia sido outra Supercopa, em 2015. Antes disso, só em 1984, ano do doblete (Liga e Copa do Rei). Neste século, o Athletic chegou a uma final de Europa League (perdeu para o Atlético de Madrid, em 2012) e quatro finais de Copa do Rei (perdeu em 09, 12 e 15 e vai disputar a final de 2020 contra a Real Sociedad, daqui a alguns meses).

Aliás, sabem por que a final da Copa do Rei do ano passado ainda não foi jogada? Porque os dois clubes bascos querem esperar até quando for possível para que haja torcida no estádio. Isso se chama respeito.

A vitória é o êxtase. Mas a felicidade e a plenitude não estão só nas vitórias. Os caminhos importam. Os modos importam. Quem está do teu lado importa. O Athletic Club de Bilbao transbordou ontem. Não só porque ganhou. Mas porque ganhou à sua maneira, fiel às escolhas que fez.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/julio-gomes/2021/01/18/athletic-bilbao-mostra-que-e-possivel-resistir-e-vez-ou-outra-ser-feliz.htm