Alvo de intolerância, brasileiro não pôde fazer sinal da cruz em campo

Rafael Reis

Jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em comunicação pela Fundação Cásper Líbero, foi repórter da Folha de S. Paulo por nove anos e mantém um blog sobre futebol internacional no UOL desde 2015.

03/03/2021 04h00

“Quando nosso jogo ia ser transmitido na televisão para o país todo, tinha um dirigente que vinha até mim e sempre falava que eu não deveria fazer o sinal da cruz em campo e nem comemorar gol apontando os dedos para cima. Ele falava que era melhor evitar esses gestos pelo meu próprio bem, para minha segurança.”

A declaração acima, dada em entrevista por telefone ao futebol da Albânia.

Durante os seis meses em que atuou no Shkumbini Peqin, da segunda divisão local, o jogador de 22 anos foi alvo de diversos episódios de xenofobia, conviveu com ataques racistas e, principalmente, acostumou-se com a intolerância religiosa.

“O que eu mais ouvia, de torcedores adversários, pessoas na rua e até mesmo de companheiros de time era a expressão ‘brasileiro cristão’. De vez em quando, ela era acompanhada de um xingamento”, relata.

Natural do interior do Pará e com passagem pelas categorias de base de Remo e Paysandu, os dois maiores clubes do Estado, Adalto é adepto do catolicismo, religião predominante na maior parte dos países da Europa.

Mas, apesar de também fazer parte do Velho Continente, a Albânia é diferente. De acordo com o censo de 2011, mais de 55% dos quase 3 milhões de habitantes do país são muçulmanos.

A maioria dos parceiros de elenco de Adalto no Shkumbini Peqin praticava a religião islâmica. E boa parte deles não escondia o incômodo em ver o jogador brasileiro professando uma fé diferente.

“No vestiário, quando eu me ajoelhava para fazer minhas orações, meus companheiros ficavam me encarando fixamente, com aquele olhar de estranhamento. Eu conseguia notar que alguns riam e outros comentavam alguma coisa enquanto eu rezava.”

Além dos frequentes atos de intolerância religiosa e com o preconceito por ser brasileiro, Adalto também sofreu pela primeira vez na vida com racismo.

“Eu me considero branco, mas acho que lá na Albânia eles enxergam minha cor diferente. Uma vez, fui reclamar com o árbitro durante uma partida e ele me ofendeu. Falou brasileiro cristão com um palavrão e apontou para o braço, naquele gesto de quem está mostrando que não respeita a minha cor.”

Apesar de estar acompanhado de outros três jogadores brasileiros na Albânia, com quem compartilhava os momentos dolorosos, Adalto não fez muita questão de permanecer durante um logo tempo no país. No começo do ano passado, mudou-se para Alemanha para jogar na sexta divisão de lá (o que acabou não acontecendo por causa da pandemia da covid-19).

Além da intolerância e do preconceito, o meia-atacante teve mais um bom motivo para querer ir embora do país: os terremotos.

“Cheguei a pegar um tremor de 6,4 pontos na escala Richter, que matou mais de 20 pessoas. Uma vez, durante uma partida, a terra tremeu. Todo mundo saiu correndo para se proteger. Mas, como era algo novo para mim, fiquei sem reação. Terminei parado e sozinho lá no banco de reservas. Meia hora depois, o juiz apitou a volta do jogo, como se nada tivesse acontecido.”

De volta ao Brasil há um ano, Adalto jogou no segundo semestre a Série B do Campeonato Paraense pelo Tiradentes para recuperar a forma. Agora, negocia com um clube de Rondônia para disputar o Estadual.

Sobre o futuro, ele admite que adoraria voltar a jogar no exterior… mas não na Albânia.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rafael-reis/2021/03/03/perseguido-por-religiao-brasileiro-nao-pode-fazer-sinal-da-cruz-em-campo.htm