Alinhamento cósmico atrai pela beleza, mas como isso pode ajudar a ciência?

Thiago Signorini Gonçalves

Thiago Signorini Gonçalves é doutor em astrofísica pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia, professor do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e coordenador de comunicação da Sociedade Astronômica Brasileira. Utilizando os maiores telescópios da Terra e do espaço, estuda a formação e evolução de galáxias, desde o Big Bang até os dias atuais. Apaixonado por ciência, tenta levar os encantos do Universo ao público como divulgador científico.

27/11/2020 04h00

No final de dezembro, no dia 21, teremos um alinhamento raro entre planetas. A distância aparente entre Júpiter e Saturno será de um décimo de grau, ou um quinto do tamanho da Lua no céu.

Os planetas estarão tão próximos entre si que parecerão um sistema duplo. Para muitos observadores com telescópios, será até possível ver ambos os planetas no mesmo campo de visão

Conjunções não são eventos raros, claro, mas uma aproximação tão próxima não acontece com tanta frequência. A última vez que conseguimos observar os planetas tão perto um do outro foi em 1623.

É importante lembrar que alinhamentos entre corpos celestes muitas vezes são só aparentes. Quer dizer, eles não estão fisicamente próximos entre si, mas é apenas um acaso geométrico, quando um planeta está passando atrás do outro. Saturno, claro, está a uma distância muito maior.

O mesmo acontece com as constelações. Muita gente acredita que as estrelas formam um grupo fisicamente conectado, mas uma estrela de uma constelação pode estar muito mais próxima de nós que as outras.

Na constelação do Centauro, por exemplo, a estrela mais próxima de nós, Alfa Centauro, está a apenas 4 anos-luz de distância. Hadar, a segunda estrela mais brilhante da constelação, no entanto, está a longínquos 361 anos-luz.

Há sim ocasiões em que estrelas estão fisicamente conectadas, orbitando uma à outra como no filme Star Wars. São as chamadas estrelas binárias. No entanto, na maioria dos casos esses objetos estão tão próximos que não podemos distingui-los a não ser com um poderoso telescópio.

Estudos científicos

Vale lembrar que às vezes os pesquisadores podem usar esses alinhamentos cósmicos para estudos científicos.

Por exemplo, podemos usar as ocultações estelares, quando um objeto no sistema solar passa na frente de uma estrela no fundo, para estudar com grande precisão a sua posição no céu, seu movimento, ou até mesmo suas propriedades físicas.

Foi assim que, em 2014, o astrônomo brasileiro Felipe Braga-Ribas descobriu que o asteroide Cáriclo (ou Chariklo) tinha anéis ao seu redor. Ele e sua equipe conseguiram medir a pequena diminuição de brilho da estrela de fundo causada pelos anéis quando o asteroide passou bem na sua frente.

Podemos usar alinhamentos cósmicos até mesmo para estudar galáxias distantes. Corpos com muita massa, como grandes aglomerados de galáxias, podem distorcer o espaço-tempo ao seu redor, graças a efeitos relativísticos. Dessa forma, agem como gigantescas lentes espaciais, permitindo que galáxias que estejam atrás deles fiquem muito mais brilhantes e facilitando sua detecção por nossos telescópios.

Infelizmente, a conjunção dos planetas no final do mês não terá a mesma relevância científica. Mas será, sem dúvida, um belo espetáculo. Para apreciá-lo, basta observar na direção da constelação de Capricórnio na noite do dia 21. E se tiver um telescópio ou binóculo em casa, não perca a raríssima chance de ver os dois planetas ao mesmo tempo!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/thiago-goncalves/2020/11/27/alinhamento-raro-entre-planetas-em-dezembro-e-outras-conjuncoes-cosmicas.htm