Alimentação muda, e foodtechs ganham espaço na pandemia

Letícia Piccolotto

Letícia Piccolotto especialista em gestão pública pela Harvard Kennedy School, presidente da Fundação Brava e fundadora do BrazilLAB, primeiro hub de inovação que conecta startups com o poder público. Em 2020, foi a única brasileira na lista das 20 principais lideranças mundiais em GovTech da Creators, laboratório de inovação sediado em Tel Aviv (Israel).

15/05/2021 04h00

A pandemia teve um efeito inesperado no padrão alimentar de parte dos brasileiros, conforme estudos recentes, que atestam o maior consumo de alimentos saudáveis. A hipótese é de que, com o isolamento social, as pessoas passaram a se alimentar mais em casa, cozinhando seus próprios alimentos e fazendo escolhas por comidas mais naturais.

É certo que a busca por uma alimentação mais saudável não está presente de maneira homogênea em todos os grupos sociais, uma vez que há a tendência de que as pessoas em maior vulnerabilidade econômica e social consumam mais alimentos ultraprocessados, o que pode ser um sinal de insegurança alimentar.

Com isso, se por um lado há a busca por alimentos mais saudáveis, por outro há também a urgência de que eles sejam cada vez mais acessíveis à maior parte das pessoas. Assim, uma coisa é inegável: a alimentação deve ganhar cada vez mais espaço e atenção do ecossistema empreendedor, abrindo espaço para um trabalho cada vez mais determinante das chamadas foodtechs.

As foodtechs são empresas de tecnologia que têm reformulado o mercado de alimentos no Brasil e no mundo. Os números são surpreendentes: até 2022, o mercado global de foodtechs deve chegar a US$ 250,4 bilhões, enquanto, no Brasil, há pelo menos 332 startups atuando no setor.

Embora tenhamos a tentação de acreditar que essas startups estejam presentes somente no segmento de aumento de downloads de 700%, só em São Paulo— as foodtechs atuam em toda a cadeia de produção, distribuição, venda, consumo, serviço e retorno (reciclagem).

Na verdade, pesquisa realizada pela Liga Insights aponta 16 categorias de atuação das foodtechs.

Há startups trabalhando em como facilitar a alimentação em casa e no trabalho, como é o caso da Liv Up, empresa que tem crescido três vezes o seu tamanho a cada ano. A startup aposta em tecnologias de ponta, como processos de ultracongelamento, alimentação orgânica e estímulo ao pequeno produtor.

Outras iniciativas atuam no segmento “farm-to-table”, ou “fazenda à mesa”, conectando produtores diretamente ao consumidor final. É o caso da Be Green, acelerada pelo BrazilLAB, que opera fazendas urbanas, sem utilizar agrotóxicos e reduzindo os custos e impactos do transporte e distribuição dos alimentos.

Outras foodtechs se dedicam ao importante trabalho de reduzir o consumo de recursos e o desperdício de alimentos, um grave problema global: aproximadamente um terço dos alimentos produzidos no mundo para consumo humano a cada ano é perdido ou desperdiçado, correspondendo a 1,3 bilhão de toneladas.

Certificada pela “Save Food” da Organização das Nações Unidas (ONU), a Comida Invisível é “um hub de soluções tecnológicas contra o desperdício. Nossa função é, com uma estratégia de geolocalização, aproximar quem tem alimentos bons para serem doados daqueles que precisam desses recursos”, me contou Daniela Leite, fundadora do aplicativo.

“O desperdício é um hábito —e hábito a gente só muda com educação e recorrência. A gente quer que as pessoas olhem para o invisível, para todo esse processo mecânico de preparo, compra, transporte, produção dos alimentos”, completa.

Movimento cresce nas periferias

Os adeptos do vegetarianismo e do veganismo ganham destaque quando o assunto é a revolução da comida. Correspondendo a 14% da população brasileira, são cada vez mais frequentes as soluções voltadas a atender as demandas das pessoas que adotam uma dieta sem carnes e produtos derivados, como leites, ovos e queijos.

A startup exporta seus produtos para países tradicionalmente importadores de carnes, como é o caso de Dubai.

E engana-se quem avalia os movimentos vegano e vegetariano como sendo elitistas. São cada vez mais comuns iniciativas que surgem no contexto das periferias, lideradas por influenciadoras e influenciadores digitais que provam como é possível seguir uma dieta sem carnes e derivados gastando pouco. Alguns exemplos são os perfis Sapa Vegana, com mais de 117 mil seguidores no Instagram, e a Vegano da Periferia, que conta com mais de 350 mil seguidores.

Pesquisa e fomento ao empreendedorismo

Ampliar a diversidade, alcance e impacto das soluções desenvolvidas pelas foodtechs demanda pesquisa e fomento ao empreendedorismo.

Nesse sentido, o Insper criou, com o apoio da Fundação Brava, o Centro de Agronegócio Global, um núcleo que se dedica a produzir conhecimento e ampliar o debate sobre o setor, focando na produção de alimentos.

Há algumas semanas foi realizado o evento “A Cabeça do Agricultor na Era Digital”, no qual se discutiu os impactos das novas tecnologias para a agricultura e produção de alimentos.

Também é preciso investir no potencial empreendedor e de surgimento de foodtechs.

Pensando nisso, já em 2017, o BrazilLAB acelerou startups atuando com soluções para a alimentação, com a vertical agricultura urbana. Na época, foi possível identificar a variedade de soluções existentes e, hoje, quantas outras surgiram com o passar do tempo.

Diante de toda essa revolução, posso dizer que me incluo na lista de pessoas que estão buscando uma alimentação mais saudável e consciente – como tenho discutido nas minhas redes sociais.

O caminho do futuro passa por garantirmos maior eficiência, diversidade e qualidade para tudo aquilo que colocamos à mesa. Tanto melhor podermos contar com as tecnologias para isso.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/leticia-piccolotto/2021/05/15/foodtechs-ganham-mercado-na-pandemia.htm