Afastado pelo Bahia, Índio Ramírez vem de região mais racista da Colômbia

Rodolfo Rodrigues

Rodolfo Rodrigues é apaixonado por números e estatísticas no futebol. Foi repórter do Lance!, editor da Placar e do prêmio Bola de Prata ESPN e é autor de dez livros sobre futebol.

Colunista do Uol

21/12/2020 14h02

O Bahia anunciou nesta segunda-feira (21) que afastou o meia colombiano Juan “Índio” Ramírez, acusado de racismo pelo volante Gerson, do Flamengo, na partida desse domingo (20), no Maracanã. O clube baiano disse que deixará o atleta de fora das atividades até a conclusão das apurações do fato. Gerson, ao final do jogo, deu uma entrevista dizendo que Ramírez proferiu a seguinte frase: “Cala a boca, negro”.

Contratado por empréstimo pelo tricolor baiano no começo de novembro junto ao Atlético Nacional de Medellín, onde foi campeão da Libertadores como reserva em 2016, Ramírez, de 23 anos, nasceu na cidade de Rionegro, no departamento de Antioquia. A região é a mais racista da Colômbia, segundo Marcos Queiroz, professor do IDP e doutorando em Direito na UnB (intercâmbio na Universidad Nacional de Colombia). Ele explicou como é o racismo colombiano e como explica o que supostamente aconteceu ontem em campo.

“Algum pano de fundo pode ser importante. O jogador colombiano é de Antioquia, departamento central para a construção da branquidade colombiana. As representações e narrativas raciais na Colômbia são extremamente regionalizadas, datando do racismo científico do século XIX”, ele conta. Nessa teoria, os territórios quentes, negros e indígenas seriam menos civilizados, enquanto territórios altos e brancos teriam propensão à modernidade. Assim, Antioquia é vista em oposição ao Pacífico e ao Caribe, lugares onde viveriam os negros.

Veja sua explicação:

‘”Mesmo apresentando uma grande população negra, como no Golfo de Urabá, a identidade que Antioquia constrói sobre si é pautada por um ideal de branquidade. Nesse ideal, os brancos seriam os sujeitos da história do departamento, responsáveis pela modernidade, disciplina, ética do trabalho e moral religiosa. Essa identidade é realizada em oposição às regiões negras em geral, Pacífico e Caribe, onde as pessoas estariam interessadas somente em ‘bailar’ e seriam ‘preguiçosas’, indisciplinadas, ‘mais força bruta que cérebro’ e pura ‘sabrosura’ (sensualidade e comida). Essa narrativa racista explicaria o porquê de Antioquia apresentar melhores indicadores econômicos do que as regiões costeiras, vistas como ‘atrasadas’.

Como aponta a professora Mara Viveros, essa narrativa, que articula raça e mitologia histórica, é também uma questão de poder. A ideia de ser a casa da ‘masculinidade branca’ desbravadora e trabalhadora passa uma confiabilidade aos políticos de origem antioquenha. De lá vêm grande parte dos presidentes colombianos, bem como é um dos lares onde se articula o conservadorismo, particularmente a sua grande expressão nas últimas décadas: o uribismo. Da mesma forma, é em Antioquia que se dá o embranquecimento de boa parte da música caribenha e latina, a exemplo do reggaeton.

Esse pano de fundo ajuda a decifrar a pergunta: como dois países que se apresentam para o mundo como mestiços e racialmente harmônicos ainda convivem com o signo “negro” tão latente na fala para marcar uma diferença desumanizante?

O que Gerson escutou ontem é o que pessoas do Pacífico e do Caribe (ou negras em geral) escutam constantemente na Colômbia.

Para finalizar, muita gente lembrou do caso Tréllez [o jogador colombiano foi acusado de racismo por Renê Júnior em jogo entre Bahia e Vitória, em 2017], que é de Medellín (capital de Antioquia). Da mesma forma, a maioria dos jogadores negros colombianos que jogaram no Brasil são do Pacífico ou Caribe. Riascos, Mina, Borja, Rincón, Rentería, Armero, Berrío, etc. São mais elementos para o debate, para entender as complexas relações raciais na Colômbia e como elas se conectam com o Brasil.”

Ou seja, o racismo é estrutural, está dentro da sociedade. Mas também vem de berço. E aí onde está a desconstrução que precisamos fazer. Cada vez que um Ramírez grita alto, um Mano Menezes aprende algo. Assim espero. Não tem mais espaço para o racismo no futebol.

Para mais informações:
Texto da professora Mara Viveros sobre Antioquia, “raça”, branquidade e poder na Colômbia.

Outra thread de Marcos Queiroz no twitter sobre geopolítica e racismo na Colômbia.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/rodolfo-rodrigues/2020/12/21/afastado-pelo-bahia-indio-ramirez-vem-de-regiao-mais-racista-da-colombia.htm