Abel não é Jesus nem tem sucesso relacionado à nacionalidade

Tinga

Tinga é um ex-jogador de futebol. Como profissional defendeu as cores do Grêmio, Internacional, Cruzeiro e da seleção brasileira. Atuou ainda em clubes da Alemanha, Portugal e Japão. Foi campeão da Libertadores, Recopa Sul-Americana, do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Hoje, Tinga é empresário e percorre o país fazendo palestras sobre empreendedorismo, mostrando como se faz “Gestão além da Planilha”.

15/01/2021 04h00

“A qualidade dos treinadores não tem local, nacionalidade, raça. Tem estudo, competência, aprendizagem (…). O conhecimento está ao alcance de todos, quem quiser esforçar-se, aprender, está aí. É preciso esforço (…). Muitas vezes, não sei como é aqui, mas na Europa e no nosso país há uma tendência enorme de valorizar só o que é de fora.”

As frases acima foram pronunciadas ontem (14), por Abel Ferreira, logo após o sorteio que definiu a ordem do mando de campo das partidas da final da Grêmio de Renato Portaluppi pelo título do mata-mata.

Coincidentemente ou não, ao garantir o Santos, dia 30, no Maracanã.

Mas se engana que Abel é o sucessor de Jorge Jesus, que teve êxito no Flamengo. O português do Palmeiras é mais comedido, concentrado em seu trabalho, habituado a dar mais liberdade aos jogadores. Ele não costuma agir como um pai, mas, sim, como um amigo e mantém uma distância. Ao contrário de Jesus, que grita e xinga à beira do gramado, o Abel é intelectual, apesar de ter seus momentos de explosão.

O Abel Ferreira é um profissional que começou a carreira de treinador muito jovem, aos 34 anos, depois de ter anunciado a aposentadoria dos gramados por causa de lesões. E foi no Sporting, último clube que defendeu antes de pendurar as chuteiras, que teve a primeira oportunidade para dirigir a equipe sub-19.

O atleta profissional que abandona cedo o futebol devido a problemas físicos tem uma visão diferente para entender o esporte, até de uma forma peculiar, como se fosse para suprir algo. O Abel soube trazer muito bem o seu conhecimento como jogador para a nova função. Ele é direto com o seu grupo, faz um trabalho emocional muito forte, olha nos olhos ao conversar com cada atleta no dia a dia, passa confiança, sabe de todos os melindres e não se aflige ao ver algum medalhão do grupo fazendo biquinho por estar na reserva. São fatores que, às vezes, treinadores mais tarimbados não sabem conduzir nem são maleáveis por estarem na estrada há décadas.

Ele chegou com o trem andando, assumiu o Palmeiras no meio da temporada e fez um ótimo trabalho de resgate, mas não podemos dar todos os créditos a ele. Vamos recordar que o Vanderlei Luxemburgo alçou vários jovens que estão se destacando com a camisa palestrina nesta temporada, enquanto o auxiliar-técnico Andrey Cebola obteve quatro vitórias e uma derrota no comando do time enquanto substituiu Luxa. Somado a isso, a diretoria tem mantido elencos qualificados nos últimos anos.

E nem todo português que desembarcar no Brasil para trabalhar no nosso futebol já chegará com a certeza do sucesso na bagagem apenas por ser europeu. Recordo que o Paulo Bento e o Sá Pinto — tive a oportunidade de atuar com ambos — não conseguiram fazer bons trabalhos, talvez até por falta de tempo e paciência, como também aconteceu recentemente com o Jesualdo Ferreira.

A qualidade dos treinadores não está relacionada às condições geográficas, lógico. Os cursos para profissionalização de treinadores na Europa já existem há décadas. Vejo como natural que os técnicos oriundos do Velho Continente possuam uma preparação melhor do que os brasileiros. Porém, existem grandes treinadores lá fora, como aqui também.

Mas o que me salta aos olhos é que a imprensa e os próprios torcedores têm mais paciência com os técnicos estrangeiros. Os jornalistas têm um tempo diferente com estes profissionais. Entendo que há um esgotamento da mídia por acompanhar por anos quase sempre os mesmos treinadores nas 20 equipes que formam a elite do Brasileirão. Precisamos recordar, no entanto, que temos no país nada menos que 14 treinadores que foram campeões da América, sendo que, ao menos, seis deles estão em atividade — um deles, inclusive, está à frente da seleção brasileira, que é o Tite.

Os próprios jogadores também estão inclusos neste processo. Por causa deste rodízio de treinadores, ocorre até um desgaste involuntário, pois ao chegar num time, o treinador irá reencontrar ao menos meia dúzia de atletas com quem já trabalhou em outras equipes. Desta forma, acontece os esgotamentos de convívio. Além disso, os estrangeiros chegam sem vício, ou seja, não possuem envolvimento com times nem temem a imprensa.

Entre essas e outras, Abel se tornou o quarto técnico europeu a chegar na decisão da Libertadores — apesar do susto diante do River — e pode alcançar o feito de ser o primeiro estrangeiro a conquistar a Copa do Brasil. Além disto, ainda está na disputa do título do Brasileirão — o único que ainda pode alcançar a tríplice coroa.

E nesta reta final de temporada terá pela frente dois treinadores que já foram campeões continentais e das duas principais competições nacionais — Cuca (ganhou o Brasileiro pelo Palmeiras, em 2016) e Renato Gaúcho (ergueu a Copa do Brasil, pelo Fluminense, em 2007, e pelo Grêmio, em 2016).

*Com colaboração de Augusto Zaupa

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/tinga/2021/01/15/abel-ferreira.htm