A vez que Noel digital da Microsoft mandou sacanagem e palavrão a crianças

Felipe Germano

Felipe Germano é jornalista que escreve sobre comportamento humano, saúde, tecnologia e cultura pop. Para encontrar as boas histórias, atravessa o planeta: visitou de clubes de swing e banheiros do sexo paulistanos à sets de cinema hollywoodianos. Já trabalhou nas redações da Jovem Pan, do site Elástica, na revista Época e na revista Superinteressante.

24/12/2020 04h00

Natal é tempo de relembrar e contar histórias. É uma tradição. Algumas são completamente lúdicas, como Rudolph e sua iconográfica narina cintilante. Outras mais realistas, como o 25 de Dezembro, da Simone, que colocou na ceia letra sobre desigualdade social, crianças descrentes e, claro, tragédias nucleares. O conto natalino mais desastroso que eu conheço, no entanto, é absolutamente verídico —e pior do que qualquer refrão da cantora. Culpa da Microsoft.

A empresa fundada por Bill Gates tem um Fantasma do Natal Passado para chamar de seu. Rolou em 2007, quando dentro da firma pipocou uma ideia fofa: fazer um Papai Noel digital.

A brincadeira era mostrar que a dona do Windows era tão tecnológica que poderia falar em tempo real até com o principal habitante do Polo Norte. Desenvolveram então um bot, uma inteligência artificial capaz de bater papo automaticamente.

Como? Com a tecnologia que todas as crianças da época dominavam. O avô do zap, e hoje um ambiente absolutamente gélido e inóspito: o MSN. Bastava você add o bom velhinho, com o polar e-mail [email protected]. Prontinho. O nick que aparecia não poderia ser mais promissor: “Papai Noel”.

Tudo muito legal, tudo muito bonito. Até dar errado.

A casa caiu antes mesmo do Peru assar. No dia 4 de dezembro daquele ano, a publicação inglesa Em um bate-papo, que começou falando sobre pizza partiu para isso aqui:

“El Reg diz: Come
Papai Noel diz: Não, obrigado. Eu não como coisas!
El Reg diz: Come
Papai Noel diz: veja se você consegue alguém para comer!
El Reg diz: Come
Papai Noel diz: Você quer que eu coma o quê?!? É divertido falar sobre sexo oral, mas quero conversar sobre outra coisa.”

A conversa desandou ainda mais. El Reg mandou algo que poderia ser traduzido como “seu filho da ****” e o Noel digital respondeu: “eu acho que você é filho da ****”.

Piora. O perfil “El Reg” era comandado por duas crianças. Uma de 13 anos e outra de 11.

O escândalo pegou a Microsoft em cheio. Mexeram nos códigos e, logo depois da publicação da matéria, o Gizmodo gringo tentou replicar a conversa, e não teve os mesmos resultados.

Mesmo assim, começaram a aparecer outras falas absolutamente inapropriadas para um bot que deveria conversar com crianças.

Um usuário flagrou que se você falasse que queria um bolo de natal, a resposta poderia ser traduzida para algo como “você não precisa de drogas quando a vida te deixa alto”.

A Microsoft afirma que até tentou dar uma geral no robô, mas não deu certo. 24 horas depois da publicação, o serviço foi tirado do ar.

A empresa logo apontou que se tratava de um erro de programação, e descartou a possibilidade de que algum funcionário tivesse feito o jogo de palavras propositalmente. Adam Sohn, então relações públicas da marca, chegou a dizer que dava para enganar o velhinho se você repetisse certas palavras.

“Nós realmente pedimos desculpas por qualquer chateação ou ofensa que essa situação possa ter causado aos usuários”, disse a Microsoft em comunicado.

Mesmo depois de tantos anos, e com a tecnologia tão melhor do que na década retrasada, a Microsoft nunca mais tentou uma iniciativa parecida. Uma pena, a ideia é boa —o problema é execução.

De repente, Boas Festas, da Simone, nem parece tão ruim, né?

Falando em melhora. Aproveito esse espacinho para desejar um feliz Natal para todos e que 2021 traga saúde (e sexo)! Boa ceia. 3

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/sexting/2020/12/24/a-vez-em-que-um-papai-noel-digital-da-microsoft-disparou-mensagens-eroticas.htm