A Física e a pandemia do novo Coronavírus nos vestibulares

Dulcidio Braz Jr

Dulcidio Braz Jr. é físico pelo Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atuou como pesquisador no Departamento de Eletrônica Quântica antes de perceber que seu caminho era o da educação. É pioneiro no Brasil no ensino de relatividade, quântica e cosmologia para jovens estudantes do final do ensino médio e início do curso superior. Hoje, além de professor, é autor de materiais didáticos e faz questão de dizer que, aqui no blog, é professor e aluno em tempo integral –enquanto ensina, também aprende.

Dulcidio Braz Jr / Física na Veia

05/01/2021 18h47Atualizada em 05/01/2021 18h47

Ao longo de janeiro acontecem importantes provas de processos seletivos para cursos superiores em diversas universidades do Brasil. Já nesta semana teremos vestibulares de primeira fase da Unicamp e da Fuvest. Logo em seguida vem o ENEM e, mais ao final do mês, Vunesp.

Pela importância que a pandemia do novo Coronavírus tem na história recente da humanidade, é natural que o tema possa aparecer nas provas de diferentes vestibulares e até no ENEM.

A disciplina mais óbvia para cobrar assuntos ligados à pandemia é a Biologia. Concorda? Dá para imaginar possíveis questões de Química envolvendo o vírus também. Mas e na Física? Como o tema poderia ser cobrado em questões de Física?

Usando um pouco de imaginação e liberdade criativa, preparei para meus alunos cinco exemplos de questões de Física envolvendo CoViD19 e SarsCoV2 e que poderiam estar presentes nos vestibulares. Vou compartilhar este material inédito com você aqui no blog em três partes.

Hoje trago a primeira parte, com duas questões que envolvem Balística, a teoria que estuda os lançamentos de projéteis ou qualquer corpo ao sabor da gravidade. Acompanhe.

Enunciado para as questões 1 e 2:
Segundo experimentos controlados feitos em laboratório, gotículas de saliva, expelidas horizontalmente por uma pessoa adulta durante um espirro (veja figura abaixo), dependendo do tamanho, podem ter alcance horizontal de até 6 m. O uso de máscara e o distanciamento social são medidas cientificamente eficientes na proteção contra doenças cujo contágio se faça por vias aéreas, como é o caso da CoViD19.

Questão 1. A partir das informações acima, o valor mais próximo para a velocidade inicial Vo de lançamento horizontal de uma gotícula de saliva durante um espirro de uma pessoa adulta é mais próximo de:
a) 18 km/h

b) 36 km/h

c) 54 km/h

d) 72 km/h

RESOLUÇÃO:

Nem sempre um enunciado fornece todos os valores das grandezas físicas relevantes. Algumas vezes o examinador quer saber a capacidade que um estudante tem de estimar valores razoáveis para determinadas grandezas. Note que, neste caso, não foi fornecido o valor da gravidade superficial na Terra. Mas é razoável assumirmos o valor g = 10 m/s² (o valor real é mais próximo de 9,8 m/). Também não foi fornecida a estatura da pessoa que espirra, de onde poderíamos saber a altura da qual a gotícula foi lançada. Mas é razoável supor que, para um adulto, a altura seja em torno de h = 1,8 m. Não se preocupe com aproximações. As alternativas têm valores bem distintos da velocidade inicial e, se você “chutar” g e h dentro de um intervalo razoável, certamente chegará a alternativa correta, ainda que por aproximação.

Vamos, usando a ideia de Galileo, decompor o movimento parabólico bidimensional da gotícula nas direções x (horizontal e) e y (vertical).

Antes de tudo, temos que encontrar o valor do tempo de queda da gotícula (na direção y) supondo que ela começa a cair de aproximadamente 1,8 m acima do solo e com velocidade vertical inicial vertical nula. Desprezando a resistência do ar, teremos um MUV – Movimento Uniformemente Variado. Assim:

O movimento horizontal da gotícula, na direção x, desprezando a resistência do ar, é MU – Movimento Uniforme. Foi dito no enunciado que o alcance (máxima distância horizontal percorrida) pode chegar a 6 m. Sabemos que isso se dá no intervalo de tempo de 0,6 s acima calculado. Logo:

Note que as alternativas estão todas em km/h mas trabalhamos no SI – Sistema Internacional, obtendo a velocidade em m/s. Para convertermos o valor obtido de 10 m/s para km/h, basta multiplicarmos pelo fator 3,6 e teremos:

Resposta: alternativa B

Questão 2. Suponha que a máscara de proteção facial, usualmente de tecido, além de diminuir o fluxo de gotículas expelidas durante um espirro – o que em caso de contaminação significa menor carga viral transmitida de uma pessoa para outra – também reduza a velocidade de lançamento da gotícula de Vo para Vo /3 onde Vo é o valor usual da velocidade de lançamento da gotícula por você estimado na questão anterior. O mínimo valor de segurança do distanciamento entre duas pessoas para, nestas condições, garantir um eficiente controle de contaminação por CoViD19 deve ser de:
a) 1,0 m

b) 1,5 m

c) 2,0 m

d) 2,5 m

RESOLUÇÃO:

Devemos entender “o mínimo valor de segurança do distanciamento entre duas pessoas para, nestas condições, garantir um eficiente controle de contaminação por CoViD19” como sendo o próprio alcance horizontal do lançamento. Desta forma, a gotícula lançada realiza o voo parabólico mas não atinge o corpo da outra pessoa em nenhuma parte.

Para encontrar o novo valor do alcance das gotículas, agora com a pessoa espirrando de máscara, precisamos perceber que o lançamento horizontal será feito da mesma altura (1,8 m) e, portanto, o tempo de queda continuará sendo de 0,6 s.

O alcance horizontal, D, pode ser obtido lembrando que na direção x temos MU – Movimento Uniforme e, portanto, D = V.t. Em outras palavras, o alcance D depende da velocidade horizontal e do tempo de queda (ou tempo de voo da gotícula). Como o tempo de queda se mantém mas a velocidade fica reduzida a 1/3 do valor, o novo alcance será 1/3 do alcance inicial fornecido no enunciado como sendo de 6 m.

Logo, D = 6/3 = 2 m.

Resposta: alternativa C

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Por enquanto é isso! Amanhã, no “A Física e a pandemia do novo Coronavírus nos vestibulares – parte 2” vou propor uma questão interessante que abordará um problema prático: como enxergar um vírus que tem tamanho de 130 nm, menor que o menor comprimento de onda da luz visível? Dá para fazer isso com um microscópio óptico? Aguarde!

Abraço do prof. Dulcidio! Física na veia! E, se for prestar vestibular, desde já, boa prova!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/fisica-na-veia/2021/01/05/a-fisica-e-a-pandemia-do-novo-coronavirus-nos-vestibulares---parte-1.htm