A Chape da defesa histórica passa longe de ser só isso

Rodrigo Coutinho

Rodrigo Coutinho é jornalista e analista de desempenho. Acredita que é possível abordar o futebol de forma aprofundada e com linguagem acessível a todos.

Colunista do UOL

29/12/2020 04h00

Melhor defesa da história dos pontos corridos na Série B, equipe que mais vence duelos individuais, a terceira em desarmes e o quarto time que menos fica com a bola. Os dados levam a crer que a Chapecoense, virtual integrante da Série A em 2021, é um time que só joga em contra-ataques. Não é bem assim! O ótimo trabalho feito pelos atletas e pelo técnico Umberto Louzer precisa ser olhado com mais atenção.

A principal característica da equipe é a capacidade para manejar os cenários. A Chape tem organização para jogar mais fechada e sair em velocidade, mas também sabe se comportar ao ficar mais tempo com a bola. Os conceitos do modelo da equipe são bem nítidos em cada fase do jogo. Algunss podem ser mais bem executadas, mas não é por acaso a ótima campanha. Entender que estratégia adotar em momentos distintos das diferentes partidas é um trunfo primordial do time.

O Treinador

Ex-volante, Umberto Louzer tem apenas 40 anos, três deles como treinador de uma equipe profissional. O capixaba de Vila Velha iniciou como atleta no Paulista de Jundiaí. Passou por Marília, Guarani, Atlético de Sorocaba, Audax Rio, Boa Esporte, Juventude e Caxias até se aposentar. Como técnico, também começou sua trajetória no Paulista, no time sub-20, foi auxiliar dos profissionais e exerceu o mesmo cargo no Guarani, clube que assumiu como treinador em 2018.

No Bugre venceu uma Série A2 do Campeonato Paulista já no seu primeiro ano de trabalho e deixou o clube a poucas rodadas do fim do Brasileirão da Série B, com a equipe na nona colocação. Em 2019 assumiu o Vila Nova-GO, mas pediu demissão após apenas oito jogos para acertar com o Coritiba. No Coxa Branca foi vice-campeão paranaense e acabou demitido após uma sequência de quatro derrotas na Série B. O time estava a apenas dois pontos do G-4.

Foi contratado pela Chapecoense em fevereiro de 2020, pegou o time na última colocação da fase de classificação e sagrou-se campeão do Campeonato Catarinense com apenas uma derrota. Na Série B vem conduzindo o time de volta a elite do futebol brasileiro.

Elenco e Time-Base

A Chapecoense não possui um elenco muito acima da média no nível da Série B. É um plantel basicamente equivalente ao de outras equipes que lutam pelo acesso, com capacidade de investimento e gastos mensais parecidos. Os três jogadores que mais têm feito a diferença são o atacante Anselmo Ramon, o meia-atacante Paulinho Moccelin, e o goleiro João Ricardo.

O arqueiro defende 88% das finalizações na direção da sua meta, o melhor índice da competição. Paulinho é um dos líderes do campeonato em assistências. São seis passes para gols em 31 rodadas. E Anselmo Ramon, além de artilheiro do time com oito tentos na Série B, tem bastante influência na forma de jogar da equipe, como veremos abaixo.

Alan Ruschel e Moisés Ribeiro são os remanescentes do histórico time de 2016. O lateral, porém, é o único utilizado com frequência. Seja na linha defensiva pela esquerda ou como meia. Outro atleta que merece destaque é o volante Willian. Ele dá equilíbrio ao time e alia qualidade na saída e capacidade de marcação. Ótima orientação corporal ao dominar a bola. É o segundo atleta com mais minutos em campo na Série B 2020.

A equipe varia entre o 4-1-4-1 no momento ofensivo e o 4-4-2 no momento defensivo. Willian é o jogador mais fixo a frente da defesa e há um revezamento em algumas posições do meio. Aylon e Paulinho Moccelin são titulares. Denner e Mike têm se alternado na equipe. Assim como Ronei e Anderson Leite na função de segundo volante.

Derlan ganhou espaço na zaga ao longo campeonato e deve ter o recém-chegado Kadu como companheiro de zaga até o final da competição. Joilson se lesionou. Luiz Otávio e Felipe Santana não conseguiram sequência no time principal. Ezequiel se lesionou e Matheus Ribeiro assumiu lateral-direita.

Como Defende

Saber como se protege o time que tem a melhor defesa da história do Brasileirão de pontos corridos da Série B é imperativo. O sistema de marcação é zonal, quando cada jogador protege o seu setor no campo, sem promover perseguições a adversários. A referência é o espaço, e eles são defendidos de forma muito competente, principalmente nas proximidades da área.

Mesmo sem tanta ”pegada” para pressionar a bola em muitos momentos, a Chape compensa com um ótimo posicionamento e compactação entre os setores. Gosta de subir o bloco de marcação, sobretudo nos jogos em casa, e tem sempre ataque, defesa e meio-campo bem próximos.

Outro detalhe importante é o pouco espaço entre atletas do mesmo setor. Laterais e zagueiros apresentam coordenação na última linha, e os pontas possuem consciência acima da média ao bloquearem as linhas de passe pelo meio. Anselmo Ramon também auxilia bastante nesse quesito.

O cenário é completado com um nível de concentração quase sempre muito alto, além da característica dos zagueiros, que mostram bom poder de proteção à área, rebatendo bolas e interceptando passes.

Como Ataca

Um olhar menos cuidadoso não revelará um diagnóstico preciso do que é a Chapecoense. Como citado, não é um time que depende exclusivamente de contra-ataques. Pelo contrário, os gols construídos em fase ofensiva, com ”ataque apoiado”, ou seja, com mais trocas de passe e construção elaborada, são maioria. Correspondem a 27% do total de tentos marcados na Série B.

O Verdão do Oeste tem duas formas de atacar. A primeira delas contempla uma saída através de passes curtos e aproximação. A primeira linha tem sempre quatro jogadores. Os laterais e os zagueiros. Willian se aproxima para receber logo a frente e distribuir os passes. Há uma variação neste momento. Matheus Ribeiro se projeta mais a frente e o segundo volante ”abre” na função do lateral em algumas ocasiões. Assim o ponta flutua para o meio. Falta mais velocidade nessa circulação da bola, e por isso muitas vezes o outro estilo é adotado.

Essa outra maneira faz o time progredir no campo a partir de passes longos endereçados aos pontas, seja partindo dos zagueiros ou dos pés do goleiro. Por isso eles se mantêm bem abertos no campo de ataque. Após dominar a bola, contam com a chegada do meia mais próximo e do lateral, buscam a triangulação para ganhar a linha de fundo ou invertem para o lado contrário, tentando gerar uma situação de mano a mano do outro ponta com o lateral rival.

É comum vermos trocas de posição entre o meia mais ofensivo e um dos pontas. Denner cai para o lado e Aylon vem por dentro. Paulinho Moccelin também é alvo desta troca, mas a ocupação de espaços é sempre mantida. O segundo homem de meio, seja Anderson Leite ou Ronei, tem liberdade para atacar.

Anselmo Ramon é muito importante para o funcionamento do time. Quando o adversário adianta a marcação ele é alvo de ligações diretas para dominar a bola e acionar os pontas. Também sai constantemente da referência para articular na intermediária, e o time tem coordenação para atacar os espaços criados por ele com esse movimento. Muitos jogadores chegam na área para finalizar.

Transições

Um terço dos gols da equipe são feitos em transições ofensivas, seja a partir de bolas roubadas no ataque ou na defesa. A Chape rouba e acelera, seja buscando Anselmo Ramon em profundidade ou invertendo o lado da jogada, tirando a bola da zona pressionada. Quando joga, Mike potencializa esse momento do time pela sua velocidade. Anselmo tem força e explosão apesar dos 32 anos.

Já ao perder a posse, as transições defensivas dos comandados por Umberto Louzer visam pressionar logo após a perda, inibir os contra-ataques rivais ou roubar a bola. É um momento que funciona bastante. Apenas 7% dos gols sofridos saem desta forma.

Projeto e Continuidade

Depois do primeiro rebaixamento de sua história, a Chapecoense precisa fortalecer sua proposta esportiva para 2021. O acesso é iminente e entender que o primeiro ano de volta à Série A pode ser difícil é fundamental. Por mais que o time sobre na Série B junto com o América Mineiro, a exigência da principal competição nacional é totalmente diferente.

Reforçar o plantel sem causar prejuízos e atrasos salariais, manter o trabalho da comissão técnica ,e desenvolver uma filosofia de jogo pode fazer a Chapecoense retomar o nível que tinha antes da tragédia de novembro de 2016. É um clube jovem, situado em uma cidade que o respira. Pode se livrar dos vícios que causaram o seu rebaixamento e maltratam o futebol brasileiro

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/rodrigo-coutinho/2020/12/29/a-chape-da-defesa-historica-passa-longe-de-ser-so-isso.htm