5G: internet “privada” de Bolsonaro encara ceticismo e pecha de fura-teto

Helton Simões Gomes

Jornalista com mais de 10 anos de experiencia na cobertura de ciência e tecnologia, com passagens por Folha, Band e TV Globo. Vencedor do prêmio CNI de Jornalismo de 2013.

Colunista de Tilt

18/04/2021 04h00

O quinta geração de banda larga móvel mais parece caminhar a passos de internet discada.

Piadas (ruins) à parte, mercado já duvida se irão vingar mesmo.

E você com isso? Bom, o que estava devagar pode tardar ainda mais. Como? Aí que está.

O que rolou?

Cautelosos, executivos de fabricantes de equipamentos costumam falar pouco e de forma assertiva. Nesta semana, o presidente da Ericsson para a região sul da América Latina, Eduardo Ricotta, contou ao repórter Guilherme Tagiaroli todo seu otimismo em relação ao 5G. Mas, deixando escapar uma opinião que circula no setor, disse que:

  • Duvida que as contrapartidas exigidas pelo governo Bolsonaro sairão conforme o plano. Além de pagar para usar radiofrequências (são como avenidas no ar), as teles vencedoras terão que…
  • … Levar 4G para toda cidade com mais 600 habitantes, cobrir 48 mil quilômetros de estradas com sinal de internet e ter roaming nacional obrigatório. Não para aí, já que…
  • … Para as que arrematarem uma dessas avenidas (a de 3,5 GHz, que é padrão ouro para o 5G no mundo), haverá exigências extras, como…
  • … Instalar 13 mil quilômetros de fibra ótica nos leitos dos rios da região amazônica, pagar pela remoção do serviço de TV parabólica e construir uma rede 5G privativa para a administração federal. Isso quer dizer que…
  • … A empresa ganhadora terá de construir uma rede de fibra ótica ligando órgãos da União e ainda uma rede móvel para as áreas de segurança pública, defesa e serviços de emergência. Estranho?
  • … O TCU achou. Os técnicos viram nisso uma manobra para a União tocar obras públicas por meio de empresas privadas sem prever os gastos no Orçamento. O problema é que…
  • … Isso é um drible no teto de gastos, que, na prática, congela as despesas públicas.

Por que é importante?

Ricotta não disse, mas esta contrapartida foi estratégia da gestão Bolsonaro para não excluir Huawei do leilão, mas mantê-la longe da internet dos computadores e celulares federais. Sem prova, a empresa chinesa é acusada pelos EUA de espionar outros países assim que a China pedir. Às voltas com a questão dede que assumiu, a gestão Bolsonaro definiu que poderão construir sua rede “privada” só empresas que sigam “padrão de transparência e governança corporativa compatíveis com os exigidos pelo mercado acionário no Brasil”.

Como a Huawei tem capital fechado, especialistas viram nisso um jeitinho de deixá-la de fora. Pelo menos, em parte. O lance é que o arranjo é curioso: a tele vencedora pode contratar a Huawei para colocar de pé o 5G que nós, o povão, usaremos, mas terá de arranjar outra fornecedora para a internet VIP do governo.

Fora sugerir que não há problema em sujeitar a população à espionagem, caso a Huawei esteja mesmo comprometida, a solução tem cara de “camuflagem e maquiagem do Orçamento e do teto [de gastos]”, avaliou Juarez Quadros, ex-presidente da Anatel e ex-ministro das Comunicações durante a privatização dos anos 1990. Como o TCU também acha isso, provavelmente o 5G atrasará. De novo.

Não é bem assim, mas está quase lá

O órgão tem 150 dias para avaliar o edital. Já disparou perguntas aos ministérios da Comunicação e Economia. Como isso é burocracia corrente de toda licitação, o tempo está na conta da espera. Tanto que a avaliação (otimista) da Anatel é que o leilão saia entre junho e agosto.

Só que as indagações do TCU podem — e não raro conseguem — reconfigurar compras públicas. O Telebras que o diga. Por questionamentos ao contrato, a estatal ficou quase dois anos sem operar um satélite já lançado ao espaço a um custo de R$ 2,7 bilhões.

Em um país desigual como o nosso, todas as políticas públicas são para ontem. No começo, o 5G será para uma pequena elite, mas ele trará benefícios para todos. Lembro que a Telebras contava por dia prejuízos de R$ 800 mil com o satélite parado (em órbita, mas parado). Com 40 milhões de pessoas sem conexão e uma solução em vias de atrasar novamente, quanto perdemos por segundo?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/helton-simoes-gomes/2021/04/18/5g-privado-de-bolsonaro-encara-ceticismo-do-mercado-e-pecha-de-fura-teto.htm