2020, o ano que não acabou, pelo menos para Bolsonaro e Guedes

Carla Araújo

Jornalista formada em 2003 pela FIAM, com pós-graduação na Fundação Cásper Líbero e MBA em finanças, começou a carreira repórter de agronegócio e colaborou com revistas segmentadas. Na Agência Estado/Broadcast foi repórter de tempo real por dez anos em São Paulo e também em Brasília, desde 2015. Foi pelo grupo Estado que cobriu o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No Valor Econômico, acompanhou como setorista do Palácio do Planalto o fim do governo Michel Temer e a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência.

Do UOL, em Brasília

03/01/2021 04h00

Se o país terminou o ano com a triste marca de 200 mil mortos por conta do Paulo Guedes.

O fim do auxílio emergencial e a continuidade do vírus assolando a vida dos brasileiros vai exigir do presidente e do seu “Posto-Ipiranga’ mais ação. Só discurso e estimativas positivas não serão suficientes para que o Brasil deixe para trás o peso de 2020.

Bolsonaro insiste em travar uma guerra contra as vacinas. Ignorando que já há diversos casos de reinfecção no país, diz que para ele a melhor vacina foi o vírus. Sua postura, negacionista desde o início da pandemia, não ajuda em nada. Pelo contrário, atrapalha.

O presidente foi pescar, jogou futebol, causou aglomeração nas praias e uma parcela dos brasileiros pareceu legitimar a atitude de Bolsonaro fazendo festas, lotando as praias e vivendo como se o vírus tivesse acabado com a virada do ano.

Infelizmente não. Enquanto assistimos atitudes irresponsáveis de quem deveria dar exemplo, ainda temos que conviver com o atraso na vacinação. Quanto maior a demora para que a população brasileira seja imunizada mais tempo levaremos para sair do buraco que 2020 nos colocou.

O engano do presidente, no entanto, é achar que a conta não vai chegar. A popularidade conquistada com o auxílio emergencial tende a minguar e o aumento do desemprego costuma cobrar um preço alto dos governantes.

Se em 2021, Bolsonaro deve embarcar mesmo na sua campanha pela reeleição em 2022, o presidente pode estar certo que a conta de 2020 vai pesar.

Discurso otimista (e utópico)

Guedes, por sua vez, não embarca no negacionismo, usa máscara sempre que pode, mas insiste que a economia cresce em “v” e que o país vai conseguir sair da crise, quase como num passe de mágica.

Com um discurso otimista demais, que amplia as ironias sobre “o fantástico mundo de Guedes”, o mandatário da economia também tem muitas razões para continuar sentindo o peso de 2020.

A começar pelo criação de novos impostos, segundo especialistas.

Em uma nota informativa distribuída pelo Ministério da Economia nos últimos dias do ano, que trata da “evolução da economia ao longo de 2020: Retrospectiva e Perspectivas para 2021”, a equipe de Guedes parece viver em um Brasil sem Bolsonaro e também sem uma disputa pelo comando da Câmara.

“Mesmo durante o recesso parlamentar o trabalho não para e consensos vão sendo construídos: as reformas tributária e administrativa, e as PEC´s emergencial e pacto federativo são exemplos de como tais consensos podem viabilizar a aprovação dessas importantes medidas em 2021”, diz a nota técnica.

Não há “tais consensos”. O que há até o momento e que tende a se acirrar ainda mais em 2021 é uma disputa pelo poder da pauta no Congresso. E, se depender de Bolsonaro, o que deve avançar caso faça o sucessor de Rodrigo Maia é a agenda de costumes.

Vacina lá fora já ajuda?

O documento da economia também traz um ponto curioso. Na única vez em que a palavra vacina é mencionada, não há um incentivo ou pelo menos um alerta da importância da imunização da população brasileira para que a economia possa voltar a crescer de forma sustentável, sem ameaças de novas quarentenas.

“Uma notícia positiva para a economia brasileira é que com a vacinação ganhando força no mundo o cenário internacional nos será propício: a taxa de juros internacional está baixa e deve continuar assim, o que nos favorece seja pela possibilidade de mantermos os juros internos baixos seja pelo estímulo a entrada de capitais internacionais que buscam melhores oportunidades de retorno”, afirma a nota técnica.

Então, já que não temos vacina por aqui ainda vamos nos contentar que o mundo vacinado nos traga benefícios. É isso?

No documento, Guedes e sua equipe trocam de “semana que vem” para o “ano que vem” as suas promessas. E a maior parte delas infelizmente seguem quase utópicas. “No ano que vem será a vez das privatizações e da abertura econômica”, afirmam.

2020 estava quase no fim quando Bolsonaro, na contramão da agenda de Guedes, não vendeu e sim criou a sua primeira estatal: a Nav Brasil.

Mesmo contrariado, Guedes disse a auxiliares que a alegação dos militares para incentivar a criação da estatal era “não demitir todo mundo pelas privatizações aeroportos”. O ministro não quer a máquina pública inchada, mas também não quer ver o desemprego crescer. Equação difícil.

O resultado das contas do presidente e do seu ministro, infelizmente, tende a ser de mais um ano negativo, no vermelho, com a sombra das consequências de escolhas feitas em 2020, o ano que não teve fim no dia 31 de dezembro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: https://economia.uol.com.br/colunas/carla-araujo/2021/01/03/2020-o-ano-nao-acabou-para-bolsonaro-e-guedes.htm